A liquidez das relações


É engraçado como as más experiências podem funcionar como inibidoras da esperança. Se uma amizade ou um amor nos magoam, por exemplo, já temos um motivo plausível para ter um pé - e talvez o resto do corpo - atrás. É que vamos criando uma espécie de auto-cuidado, que se manifesta em úteis (ou cruéis?) sensores de perigo. A possibilidade de que nos sintamos muito bem ao lado de alguém imediatamente faz soar um alarmezinho interno. Como bem elucidou o sociólogo Zygmunt Bauman "O amor pode ser, e freqüentemente é, tão atemorizante quanto a morte. [...] Assim, a tentação de apaixonar-se é grande e poderosa, mas também o é a atração de escapar".

Uma bola de neve de pessimismo vai se formando. Afinal, se fulaninho me machucou, quem garante que ciclano não fará o mesmo? É assim que nossas mais puras esperanças vão sendo deterioradas ao longo do tempo sem que percebamos. Outro dia flagrei-me em confissão com um amigo de longa data: "sabe de uma coisa? acredito que está impossível hoje em dia construir amizades realmente verdadeiras. Me contentarei com as mais antigas. Hoje sinto que não posso confiar em mais ninguém". Ele concordou veementemente e disse que seguia a mesma política.

Me chamem de dramática, piegas, contraditória ou qualquer coisa do gênero. Mas em detrimento de todas as decisões racionais que tento tomar em relação a isso, ainda carrego comigo uma capacidade insistente de acreditar - e de ser ferida, portanto. Quando menos espero lá estou: confiando outra vez. A constatação de que amizades verdadeiras são raríssimas e amores mais ainda, parece me assombrar vez ou outra, eu sei. Mas cada vez que um amigo se revela não tão amigo assim, sou recompensada ao notar que alguns bons e velhos ainda estão lá. Aqueles que superam os anos, as brigas, os defeitos, as ofensas e o próprio tempo. 

Estamos na era das relações superficiais e artificiais e isso já não soa como novidade. Bauman, ainda em "Amor líquido" diagnosticou com precisão: "Vivemos tempos líquidos. Nada é pra durar". Amizades são criadas artificialmente com um clique e relações amorosas são tema de aplicativos que parecem acabar com o que há de mais encantador em todo o processo de conhecimento. Como resistir à tentação de consumir relacionamentos enlatados e práticos? Como preservar a autenticidade em uma época marcada pelo Networking quase compulsivo?

Talvez eu escreva tentando achar respostas. Ou quem sabe seja mais uma estratégia de auto-convencimento. Não custa sonhar :)

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

(Eduardo Galeano)

- Clique em "Mais informações" se desejar assistir uma ótima entrevista com Bauman a respeito do que foi discutido no texto. 







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