"Cannabiais" de nós mesmos

“Tá consumado e tá consumido”



É já no banheiro que a consciência límpida bate. Ali no cubo de pouco espaço do boxe, em 1 metro por 1 metro, ele é apenas a fronte em cabelos molhados de água, ou muito quente ou muito fria. Uma cabeça pensante sustentada por seu corpo acessório facilitador. Como uma câmera num tripé, registrando e exibindo, ininterruptamente. Embaixo do chuveiro, de pronto, dá-se conta de quem é e de como existe em dias tão contumazes quanto o de hoje. Ali, sob sua cascata particular, recebe nova condição e um aspecto reflexivo entre atenções divididas. Desafio é tentar cantar a canção do Ary Barroso, que gravou a Elis, ao passo em que tenta encerrar as histórias que deseja escrever e lembra-se que precisa comprar o adesivo para escurecer o vidro da parte de cima da porta do quarto, cuja claridade invadida incomoda o arremedo de sono que nunca mais fora o mesmo. 

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A ampla e nova personalidade formada se demora em assuntos que pareciam não merecer tanto tempo para respirar. Enfatuar a vil existência e os pulmões ainda aquecidos do costume do cachimbo. A boca torta agora canta e conversa a sós. Gosta de intitular-se “O Maconheiro no Chuveiro” e é piadista de mão cheia. Crítico e exigente, ele não poupa ninguém. Sarcástica navalha de degolar, laminador microscópico. Os amigos que o diga. “Fé cega, faca amolada”.

Minutos antes do banho, como um maconheiro de fissura de rio e água, a lombra inaugurou o curioso prazer das excreções. Tentativa vã do corpo acessório por livrar-se do efeito daquilo de que a cabeça necessita alimentar-se. “Alimento pra cabeça nunca vai matar a fome de ninguém”. E quem garante? Na dúvida, melhor nutrir os sonhos à realidade. Uma pausa antecede a descarga. É preciso verificar as fezes. Lembrar sempre disso! O cocô como o centro de atenção cacofônica é pura caca excretada pelo cu, caralho. Cagar é também livramento e pura literatura “aliterata” em aliterações. O olhar deve ser rápido, atenção desatenta, apego desapegado. Cor, aspecto e coágulo ausente. Se boiar: boa mastigação. Do contrário, a cacofonia vira cacofagia. Louco mesmo, louco de pedra, come bosta e rasga dinheiro. “Eu não”. Descobriu sanidade em si.

Começou com uma necessidade absurda de lavar as mãos por tudo. De repente fazia o maior sentido do mundo que se pudesse manter as mãos cirurgicamente higienizadas.  Afinal de contas, são as mãos os veículos principais para os alimentos levados à boca. Melhor seria que não precisasse usar as mãos para comer uma pipoca e que ela pudesse ser despejada a uma distância segura entre a boca e a embalagem, porque a embalagem por fora está CONTAMINADA. Como conceber que alguém veste a roupa e senta em banco de praça, onde qualquer um com oxiurose ou psoríase pode ter sentado e deixado ali suas crecas? Antes mesmo de começar a lavar e cozinhar num caldeirão tudo que vestia, já existia a simetria dos movimentos do corpo. Um lado imita o outro com a mesma energia despendida. É a regra! Melhor acreditar que é possível. E se aconteceu de ter sido visto movimentando o corpo de modo robótico e caminhando em linhas retas, é que aprendeu na aula de matemática que a menor distância entre dois pontos é uma reta. Então, por que perder tempo? “Maníaco é a mãe!”

Havia algo estranho em o dia raiar sem sentido exato para futurar. Qual o projeto de vida? Do que você gosta? Você sonha em conhecer qual país da Europa? Você viu o jornal de ontem? Na hora, o Caetano canta rápido e exato, “Existirmos: a que será que se destina?” E o Maconheiro descobriu que agora tem Cajuína de 2 litros na garrafa Pet, pertinho de casa. O Cetoconazol vazou banhando o corpo em mil pontos sadios, aplicado meticulosamente em horas escondidas dedicadas a morar no banheiro. Ritual certo após o chuveiro. E o silêncio familiar passou a ver o problema com temor de intervir. É loucura e loucura é coisa pra profissional lidar. Faltou perguntar o que talvez já fosse sabido. Tédio também mata e aprender a desenhar a lambda dá um trabalho retado. Herança chata da Grécia é esse alfabeto. Cansou de calcular o desnecessário, cansou da escola. Normal! “ATENÇÃO tudo é perigoso”. Ele achou o exercício das orações subordinadas difícil e comentou com a professora, ao que ela respondeu: DIFÍCIL? DIFÍCIL É FORMAR FAMÍLIA. Quanto humor tem esse povo lido. O exercício da vida foi superar o bullying na escola, o que com o tempo vira a maior besteira. “Cabelinho de sapo”, disse em entrevista a ex-senadora ou ex-senatriz, Heloísa Helena. E explicou: “No interior, diz-se que quando uma coisa é muito pequena é cabelinho de sapo, porque ninguém vê cabelinho de sapo”. Ele, claro, emprestou-se do termo. “O problema é do tamanho que a gente quer”, cabelinho de sapo é a vida. “Bullynou” e foi “bullynado”, exercício necessário para engrossar o couro da hipocrisia, que não é de sapo e é cabeludo como o Primo Coisa.

“Vem, vem, aqui é limpeza”. Mais um trago desse baseado estragado, que fumar orégano é temperar a vida com sabor de pizza. E então, O Maconheiro no Chuveiro lembrou-se - de modo inevitável - que odeia a política nacional. A TV na sala já dizia alto o Jornal Nacional. Chateado correu molhado pra desligar o aparelho. “Jornal cu, jornal escroto!” Cortou a onda do cara. A realidade é um jornal ruim, é jornal local em cidade de grilo, é jornal acumulado que mancha as mãos, é jornaleiro suado de bicicleta, é jornalista correndo pra rebater a peteca... A realidade cansa! O chuveiro ligado é fluxo intermitente, contínuo. Ecochato que se foda! Querer lavar, fazer chover, descer ao ralo, mergulhar fundo, catar moeda na fonte Fontana di Trevi. Cada um arca com o que pode. “Todos os caminhos são iguais”. Todos os caminhos levam a Roma. Sendo assim, faz um favor, caro rapaz: Deixa o Maconheiro em paz!


Pra não dizer que essa história chovida, enxurrada, churrinha boa, chuvisco de chuveiro fraco com cheiro de chuva, vai quebrar o clima da aliteração servindo de apologia ao consumo e tráfico, aqui vai um conselho certo e careta: Quem planta colhe! Colher com cuidado com o quipá pra não passar na boca, pra não passar na boca, não passar na boca. BOCABOCABOCABOCABO. “Acabou o quê? Passa bola, mão de cola!”.  A boca torta a sós respondeu, “Calma! Faz seu nome, meu Sweeney Todd!” E o Maconheiro no Chuveiro pensou, “De quantas cabeças eu me alimento?”.


3 comentários:

  1. Leide Oliveira
    Digo com muito gosto, como tudo que vc escreve - GENIAL!!
    Cuidado "Maconheiro do Chuveiro", kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Beijos

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  2. cada dia mais lúcido e criativo! uma pancada!!!! estou aqui, também me perguntado, entre o que vejo, leio e como: de quantas cabeças eu me alimento?

    parabéns Rafael.

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  3. Raphael você está fabuloso, que força na narrativa. Parabéns! (Andréa Cristiana)

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