Todo carnaval tem seu fim


Nunca fui fã número um de carnaval. A confusão já começou na infância, quando minha mãe ficava maluca todos os anos porque era obrigada a confeccionar uma fantasia. Eu sempre pagava o pato. Ouvia o stress e as lamúrias dela, que em plena crise do plano cruzeiro desabafava com razão: o colégio quer que a gente faça dez fantasias por ano, não tem dinheiro que chegue! 

E foi assim que fui à festinha da escola vestida de baiana - de papel crepom. Sim, o top e a saia de babados brancos e rosa foram confeccionados na noite anterior com cola, papel e grampeador. Não deu outra: Passei a tarde inteirinha emburrada, enquanto os outros coleguinhas saltitavam ao som das marchinhas, envoltos em confetes e serpentinas.

Tenho até uma foto que comprova. Uma foto engraçada em que pode-se notar a roupa rasgando em um determinado ponto e a minha cara de quase-choro. Lastimável. Daí em diante, embora eu tenha esquecido das minhas fantasias, a coisa não melhorou. Eu sempre acabava sendo a diferente e isso está longe de ser vantajoso quando a gente é criança.

Carnaval era tempo de folclore em minha cidade de interior. Era época de morrer de medo dos ataques de maizena, típicos em cada esquina nessa época. Se vacilasse por um segundo... corria o risco de ficar completamente coberta pelo pó branco. Além disso, existiam os boi-bumbás que subiam e desciam as ruas periféricas fazendo a alegria da criançada. Embora fosse baiana, a realidade estava bem longe do axé e dos trios de Dodô e Osmar, que viravam febre em Salvador. 

Nasci no limbo entre o declínio dos tradicionais bailes de carnaval e a popularização dos ritmos que arrastam até hoje as multidões suadas, que usam camisas descartáveis e tênis ao invés das pomposas fantasias pretéritas. Pierrot, Colombina e Arlequim não passam de memórias criadas por leituras, filmes e relatos distantes. É normal sentir saudade do que nunca tivemos? nessas horas, comprovo que sim.

Com o passar da maioridade, a festa da carne ganhou uma conotação mais útil. O feriado prolongado possibilitou algumas das melhores aventuras. Os meus romances carnavalescos - cheios de amor e fantasia, como têm que ser. A comemoração começava nos preparativos. Fazer as malas, comprar a passagem e conferir se ela estava mesmo na bolsa umas dez vezes e depois,percorrer a estrada horas à fio, com tempo pra pensar em cada detalhe e sentir cada milímetro de ansiedade. Entrava no ônibus ao som mental de Carnavalia, de Tribalistas. Pronta para fugir da rotina, pra me permitir, pra viver até a última gota aqueles poucos dias. Quem precisava de festa quando meu coração fazia as vezes de tamborim? 

Depois acabei conhecendo os tais trios elétricos e finalmente me rendendo a festa. O fiz de forma trágica: namoro recém terminado, cabeça cheia de caraminholas. O resultado? Me diverti mesmo assim. E entendi o porquê de tanta adoração. A tal festa tem mesmo um quê inexplicável de alegria gratuita (e efêmera). Mas tenho mania de pensar e ruminar até o que parece perfeito. E ser testemunha da mercantilização cruel e absurda do Carnaval me deixou desencantada. Na ocasião até escrevi um texto em que expressei de forma fundamentada esse sentimento, pois não pude deixar de observar a pobreza que circundava toda aquela voluptuosa comemoração.

Não sei se esse ano terei algo para contar sobre o Carnaval. E isso me preocupa, já que indica o quão "morna" tenho estado. Será que virei uma espécie de adulta sem graça?.

"Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz.", entoou a querida Los Hermanos em uma de suas clássicas músicas (Todo carnaval tem seu fim). Ironicamente, a canção pertence a um de seus melhores álbuns, entitulado "Bloco do eu sozinho". Talvez seja uma questão de sina, destino ou qualquer um desses termos que as vezes servem pra justificar coisas ruins. Ou talvez, simplesmente, o Carnaval seja uma daquelas coisas que partem de dentro, independente de alguém ou de certas circunstâncias.  

De tudo o que escrevi, concluo que a festança, antes de ser uma comemoração externa, é fruto da nossa vontade de sorrir em qualquer circunstância, dançar mesmo que não saiba e ser feliz, mesmo que na verdade esteja em frangalhos. É a licença poética para escolher a máscara mais bonita ou aquela que mais nos aprouver. É o descanso merecido pro enfadonho comportamento coerente.

Bailes, blocos, trios, axé, samba, máscaras, fantasias, viagens ou simplesmente tomar uma cerveja gelada no bar da esquina: seja o que for, como for ou com quem for, que seja algo que possamos lembrar. Que tudo quanto for feito renda, além de calos e dores, alguma boa história para a quarta-feira de cinzas.
Bom carnaval!




2 comentários:

  1. nossa seus primeiros carnavais em partes foram bem parecidos com os meus,minha avó era quem fazia as minhas fantasias,e como agte morava no interior e ela criava galinhas,as coitadas sempre eram depenadas pra que eu virasse uma índiazinha rsrs' mas desde que cresci nunca mais comemorei tanto assim o carnaval

    http://septemberr21.blogspot.com.br/

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  2. Adorei, Lívia! Você e essa sua memória ótima. Lembrar do fundo folclórico de nossos carnavais, do medo que a gente tinha do boi e da galera da maisena... foi bom reviver essas cenas na memória. Parabéns!!! Um bjão!!!

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