Minhas histórias dos outros


Em quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!
(Álvaro de Campos)

Peguei emprestado esse título do Zuenir Ventura, peguei emprestado esse trecho de poema do Fernando Pessoa, desloquei-os de contexto e gostei de poder me ocupar com isso. Tenho buscado me ocupar e me ocupado em buscar. Passei um tempo ocioso, deprimido e intimamente inquieto. Em momentos como esse, canções, textos e filmes são os melhores companheiros. 

De leitura peguei “Budapeste” que protelo concluir e sempre fico intrigado com a inteligência de Chico Buarque, mas estava precisando de outro tipo de enredo. Reli poemas do Pessoa, lembrei um de cor de W. H. Auden, que aprendi em “Quatro Casamentos e um Funeral”... “Parem os relógios. Cortem os telefones. Impeçam o cão de latir. Silenciem os pianos e com um toque de tambor tragam o caixão”.  Constatei que minha tristeza não era tanta.

Desenterrei filmes antigos. Assisti, à prestação, “E O Vento Levou” e fiquei indignado com o final e com o modo de amar de Scarlett O’Hara (péssima atuação de Vivien Leigh). Passei para “NOWHERE BOY” - “A incrível história não contada de John Lennon”, diz a capa. Filme razoável, um Lennon (por Aaron Johnson) bem babaca e bonito, como o verdadeiro Lennon nunca sonhou ser. Revi trechos salteados de “CANTANDO NA CHUVA”, em especial as cenas 38 e 40 do meu DVD remasterizado, e acho mesmo o melhor musical de todos os tempos. Em dias difíceis de levantar, vejo e ouço Gene Kelly, Donald O’Connor e Debbie Reinolds cantarem “Good Morning” e o dia se faz outro.


Permaneci buscando e enfim encontrei algo memorável. Um filme também antigo, mas a lição será sempre contemporânea. “Tomates Verdes Fritos” é um drama bem humorado. Os acontecimentos se desenrolam em duas diferentes épocas e é a senhora Ninny Threadgoode quem conta no presente o que viveu no passado. Duas amigas, Igdie e Ruth Jamison, são donas de um café que serve tomates verdes fritos, na pequena cidade de Wistle Stop. A última apanhava do esposo Frank Bennet – que numa noite desaparece misteriosamente: um assassinato. Um detetive que não desiste de incriminar Igdie, por saber de sua fama de amazona justiceira, uma mulher que veste calças e sabe encantar abelhas. No presente, é a doce Evelyn Couch que ouve as narrações da senhora Ninny Threadgoode. Uma clara história de amizade atravessando o tempo e se perpetuando em novos protagonistas. A cena final ficou gravada em minha memória. Num diálogo simples, Ninny - com a experiência de 83 anos de vida - diz a Evelyn o que considera ser a coisa mais importante da vida: “Amigos, bons amigos”.

Trecho do filme "Tomates verdes fritos"

THE END. Para cravar fundo no peito, os créditos sobem entoados por “I’ll Remember You” de Bob Dylan. “Eu irei me lembrar de você, quando tiver esquecido do resto. Você para mim foi verdadeiro. Quando não havia mais nada, você foi além. Foi você que entendeu, embora eu nunca tenha dito”. Admiro cada parte do filme, não à toa. Perfeita direção de Jon Avnet! Bendito livro de Fannie Flag! Uma obra pensada para homenagear pessoas cotidianas.

“Tomates Verdes Fritos” faz-nos refletir sobre os “bons amigos” que temos ou que a vida nos reserva vir a ter. Eu, particularmente, tenho me questionado muito sobre esse tema. Talvez por isso eu tenha me emprestado de tantas outras histórias, ultimamente. Desejei não enxergar minha própria história, mas o incômodo fez vir à tona. Pedra miúda no sapato... Fui ferido em batalha. Mas permaneço acreditando, não sem ressalvas. É que eu levo essa coisa de amizade muito a sério. Não estou pedindo para viver um filme “mamão com açúcar”, não é isso. Agora, que a partir de hoje eu vou ponderar, isso eu vou. Acho que ainda não superei. Tem uma boa história aí? Empresta? Juro que devolvo.

*  *  * 

A você leitor, alvo dessa poética indireta, eu dedico algumas últimas palavras. Serão menos poéticas e mais diretas, não me perdoe por isso. Aí vão elas... Repense seu conceito de amizade e aprenda a dar retorno. Leve sua “bomba chiando”, sua “nuvem negra” e seu “bode amarrado” pra puta que lhe pariu. “Quem incha sem doença, desincha sem remédio”, aguarde. Pare de culpar os outros pelos seus erros. Encare a vida como adulto de uma vez por todas. E, na moral, vá morder quem lhe mordeu. Pronto! Agora sim, essa história é minha.

* Texto de Raphael Barbosa

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