Amor algodão doce



Tudo parecia perfeito. Nossa historinha era quase um daqueles curta-metragens fofos, em High definition. Uma troca de olhares, risos fáceis na mesa do bar, um belo beijo roubado e algumas conversas intermináveis regadas a suspiros e pensamentos do tipo:  encontrei.

Lembro de estar meio tonta no carro. Dividia descaradamente as minhas preces entre "Deus, permita-me chegar bem em casa" e "Deixa eu dar um beijo nele, por favor". Naquele dia, não sei se por milagre ou sorte, Ele ouviu as duas. Parecia pegadinha. Logo eu, a moça estabanada, a que tinha passado da conta e da hora no bar, fisgara o príncipe incólume à suspeitas.

Fizemos planos perfeitamente possíveis, veja só. Mas tão fácil e rápido quanto aquela madrugada, foi o dia em que nos afastamos sem a menor explicação. Foram muitos fondues jamais degustados na varanda. A escova azul ainda hoje reclama a tua ausência:  não viu os cabelos negros outra vez e nem verá.

Bonitos, vistosos e doces feito algodão doce, foram os nossos dias. Mas derreteram como maquiagem barata em dia de sol. Acabamos cheios de "quando's" congelados no tempo. Um encontro de sonhos, talvez: uma projeção divertida e hipotética, tendo alguns luares como testemunha.

Dançamos tango sem música, decoramos datas, medidas, números de telefone um do outro. Até à greve de beijos tivemos direito, lembra? Mal sabia que em breve nada mais faria sentido. Te deixei ver as fotos do meu mural, cara. Aquelas que eu só mostrava pros amigos. O teu comentário restou eterno e impecável na memória:  essa está linda, disse em tom macio enquanto apontava pro meu retrato praiano e cheio de cores.

Você se permitiu gostar dos meus vestidos longos, e em troca perdoei a tua vaidade. Te deixei um bilhete no vidro do carro e você me levou de bom grado ao oftalmologista quando preciso. Sim, talvez eu estivesse mesmo cega. É que tudo parecia perfeito demais. Tão perfeito que eu não lembrei de desconfiar. Te dei um ingênuo voto de confiança.

Até o horário do trabalho "batia". Algo parecia conspirar descaradamente para os nossos encontros. Se fosse um pouquinho mais mística, culparia o universo e suas artimanhas. Nossos carros se cruzavam nas ruas acidentalmente. Ou seria esse o real propósito? Você parava e emparelhava as janelas só pra dizer o quanto eu estava linda devorando o meu café da manhã. Eu estava sempre atrasada. Não só para o trabalho – hoje vejo. 

De todos os textos que nunca escrevi, talvez esse seja um dos mais vivos e menos reais. É que você virou uma espécie de doce que pensei seriamente em comprar e não consegui. Talvez não tivesse a quantia necessária no momento. E se o vendedor não tivesse troco pra minha nota de R$ 100,00? Jamais saberei. 

Fiquei sentada na praça fingindo ler uma revista. Só pra que não me flagrassem admirando o cacho de saquinhos coloridos e estufados que se distanciava junto com os últimos raios de sol. Os ombros do moço sustentavam o meu maior desejo, naquele dia. Maior e mais distante. 

Sou obrigada a admitir: não existe guloseima mais ilusória. O maldito algodão é, indiscutivelmente, o vilão dos doces: encolhe assim que tentamos te-lo. Se apertamos, some nas mãos. Se escolhemos consumi-lo, o danado murcha e derrete ao mínimo contato com a saliva.

De tudo, por fim, o que fica é o doce. A doce lembrança de que fomos ludibriados de forma consentida. Cuore, ou cárie - o que dói mais?



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