Adeus Alencar: uma breve reflexão sobre a morte.



"Perdemos uma pessoa na resistência ao mesmo tempo feroz e risonha à contingência humana – mas ganhamos um irremovível herói da alma brasileira." (Ana de Hollanda, ministra da Cultura)

Morre o ex vice-presidente José Alencar Gomes da Silva. Depois de uma luta de mais de 10 anos contra o câncer eis que finda a sua brava existência aos 79 anos bem vividos. Não é segredo, que o velhinho simpático, que figurava ao lado do presidente Lula sem muito chamar atenção, foi um dos maiores empresários do estado de Minas Gerais: o senhor de um verdadeiro império no ramo têxtil.

Exemplo de garra e determinação, ainda na infância trabalhou como vendedor em lojas do ramo, abrindo o seu próprio negócio ao 18, com a ajuda financeira de um irmão. Daí pra frente, sua vida como homem de negócios só prosperou, tendo a "Coteminas", atualmente, onze unidades que fabricam e distribuem tecidos, roupas e produtos do gênero, para dentro e fora do país.

Em que pese o ingresso tardio na política,  José de Alencar teve uma trajetória de sucesso, sendo disputado por inúmeros partidos. Acabou por aliar-se ao presidente Lula, com quem foi eleito por duas vezes consecutivas. Até aí, nada de novo. Por que falar então, de mais um político com uma história não tão diferente da de muitos do bolo?

É que hoje cedo, ao me deparar com a notícia da morte e uma reportagem sobre a vida do ex-vice no Bom dia Brasil, percebi o quanto tinha sido de certa forma injusta durante todos esses anos, achando que o pobre não passava de mais uma "mosca morta" que jazia à sombra do presidente, sem grandes feitos.

Tirando o fato de que a principal bandeira de luta do mineiro era a redução da taxa de juros, devemos ressaltar a participação ativa, por meio de críticas nas discussões para a criação do Simples Nacional, voltado a micro e pequenas empresas, bem como na luta pela erradicação da pobreza:
"Saiu de baixo e construiu um império econômico, mas não perdeu o compromisso com o país no resgate de milhões de brasileiros da miséria” (Dilma Rousseff)
Entretanto eu diria, que entre todos os louros, o mais notório foi a renitência, bom humor e força de vontade diante das adversidades (foram cerca de 17 cirurgias e inúmeras internações). Quando, entre uma das crises, fora questionado sobre o medo de não resistir, afirmou categórico: 

"Não tenho medo da morte, porque não sei o que é a morte. A gente não sabe se a morte é melhor ou pior. Eu não quero viver nenhum dia que não possa ser objeto de orgulho. " (17/02/2009)
"Estou preparado para a morte como nunca estive nos últimos tempos. A morte para mim hoje seria um prêmio. Tornei-me uma pessoa muito melhor. Isso não significa que tenha desistido de lutar pela vida. A luta é um princípio cristão, inclusive. Vivo dia após dia de forma plena. Até porque nem o melhor médico do mundo é capaz de prever o dia da morte de seu paciente. Isso cabe a Deus, exclusivamente." (Dez, 2009)
Tudo isso me lembrou a morte da minha avó. Pode parecer inadequado falar disso agora, mas é que quando se fala de superação, não consigo esquecer dela, que aos 59 anos teve que aceitar a sua partida. Religiosa que só ela, não se desligava do terço e dos livros de oração. Com muita paz e tranqüilidade aguardou a sua ida enquanto confortava os mais chegados.  

Meu pai conta, que tinha acabado de chegar de viagem, numa noite qualquer e ao procurar pela mãe doente, encontrou-a deitada em paz em sua cama. As últimas palavras, foram: meu filho, pedi para Celina preparar aquele frango que você gosta, está no forno. Nenhuma queixa, nenhum berro. Minha avó morreu natural e tranquila.

A naturalidade e a paz com que alguns enfrentam essa certeza, me causa admiração e espanto. A reflexão intensa a que são impelidos após a consciência de que não possuem mais chances, possui o condão de engrandecer a alma. Alguns, por certo, revoltam-se e deprimem-se. Outros, fazem desse rito de passagem o mais engrandecedor possível. 

Fica aqui, pois, minha sincera homenagem àqueles que enfrentaram e enfrentam com dignidade o árduo período de sobrevida. Que a mensagem de amor e esperança deixada pelo ex-vice e por tantos outros, preencha a todos que necessitarem do equilíbrio essencial nessas horas.


Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"


(Inscrição para um portão de cemitério, MÁRIO QUINTANA)

Um comentário:

  1. Boa matéria, não estudivista!
    Vejo um trama discreto
    Mas justo para qualquer jornal
    Uma hermoça sabida
    Das ideias acesas em castiçal
    Pensante, pensionista das nuances
    Meiga flor, versátil, fashionista
    Numa escala de lívias crônicas
    Nem alegre, nem triste: jornalista.

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