Mãe


Poderia ter escolhido um daqueles dias. Aqueles em que acordamos vendo o céu mais azul, o canto até então inaudível dos passarinhos ou a graça inequívoca no sorriso de uma criança. Mas propositalmente resolvi escrever algo sobre o dia das mães na hora menos oportuna, em que as ideias se embaralham e a inspiração vai por água abaixo. Trata-se do fatídico momento em que acabamos de ter uma discussão pesada com aquela que nos trouxe ao mundo. 

A mágoazinha rançosa custa a descer. Afinal, admitamos: mãe que é mãe cuida, mas também machuca. Sabem como ninguém onde melhor dói a palmada, mais espeta o "conselho" e mais lateja a consciência quando ouvimos as verdades. Melhores que ninguém no quesito "preparar a cria pro mundo", temem o tempo todo a falha na principal e árdua tarefa. Mas são treinadoras despidas de egoísmo: o nosso sucesso não é recompensa, mas sim a própria e real felicidade - tal e qual sentimos com as nossas próprias conquistas.

Minha mãe sempre foi minha ídola. A mulher bondosa e generosa que eu sempre quis ser. Lembro de ainda criança usar os seus sapatos de salto e brincar de casinha, imitando os seus passos e falas como num ensaio para a vida adulta. Lembro de olhar furtivamente o seu mágico guarda-roupas, sempre tão interessante e misterioso à minha inocente curiosidade: experimentava vestidos, bolsas de paetê e lenços de seda enquanto ela ia ao banco. Cada descoberta era como achar um tesouro. Certa vez, em uma caixa de papelão, junto com as jóias e  alguns dos álbuns de fotografia mais importantes, encontrei um potinho curioso. Ao sacudi-lo, pude notar que estava cheio. Abri sem demora e tive uma surpresa: eram os meus recém perdidos dentinhos de leite. Ela colecionava em segredo. Pedacinhos meus eternizados entre preciosidades. 

Sempre foi amiga. Daquelas mães que não dão castigos ou cortam asas. Nunca fui proibida de brincar onde quer que fosse, desde que retornasse às 22:00h impreterivelmente. Confiança era o nosso forte. Não haviam mentiras ou revoltas: negociávamos os meus direitos e deveres com calma, sempre que necessário. O problema foi na pré adolescência. Época de festas que extrapolavam meus horários de menina: uma das poucas limitações a que fui submetida. 

Saudade do ovinho mexido logo pela manhã, do macarrão especialmente sem temperos que ela fazia por mim, da sopinha batida no liquidificador e de todas essas frescurinhas que só as mães mais legais fazem. Saudade das noites vendo TV juntinhas, dividindo o mesmo prato de torresmos. Saudade até de como ela sempre esquecia que eu odiava abacate e quiabo. Saudade de quando mudávamos juntas os móveis do meu quarto de lugar, ou de vê-la pintando à mão as flores do meu armário. Saudade de abraça-la forte todos os dias e do alívio que sentia em sabe-la no cômodo ao lado. Saudade do mal humor matinal, do cheiro de colônia que ela exalava em toda a casa e de vê-la modelando a franjinha com secador antes de sair. Saudade de ver a cara de alegria sempre que eu mostrava os meus boletins escolares, e do dia em que ela ia deixar eu passar o reveillon com a minha avó mas na última hora voltou e me buscou porque estava com saudades.

Saudade de quando ela perdia a paciência comigo e me chamava de chata, e de quando ela fazia os piores chás do mundo assim que eu me queixava de qualquer mínima dor. Saudade do colo e do cafuné e de acordar e poder ir ao quarto ao lado deitar de conchinha com minha dorminhoca preferida. Saudade de criar apelidos horríveis e só nossos. Saudade de fazer massagem e limpeza de pele quando ela chegava cansada do trabalho. Saudade de vê-la entrar em casa com uma nova cor e corte de cabelo a cada 3 meses. Saudade de ser criança e saber que ela podia me proteger de quase tudo.

Cada mãe é especial do seu jeitinho. A minha é a melhor do universo. Ta vendo? É pensar nela 5 minutos que já esqueço a discussão. Também, pudera... é a mulher que mais admiro na vida, o exemplo de ser humano que ainda não consegui alcançar e talvez nunca alcance. Resta sentir-me agraciada por ter sido escolhida entre tantas no mundo pra ser filha de alguém com tantas qualidades. 

Um feliz dia das mães!

Um comentário:

  1. Que coisa mais linda esse texto! Me fez pensar na minha rainha que também tá longe. Muito muito lindo :)

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