Sem amanhã, sem adeus


suicídio como válvula de escape: até quando?

Talvez um dos sinais de que você realmente se tornou um adulto é começar a não ser poupado do trágico. As catástrofes cotidianas que moravam no tom de cochicho dos nossos pais e nos "isso é conversa de adulto, você não pode ouvir", agora nos são magicamente acessíveis - sobretudo com o advento (ou tormento) das redes sociais.

Há muitos anos, o rapaz que trabalhava na única loja de brinquedos da minha cidade resolveu ceifar a própria vida. O jovem desferira um tiro contra a cabeça e fora achado no quarto, ainda agonizante, pela mãe. Dizem que sofria de depressão. Mas o curioso é que quando posto em confronto com a morte enquanto "chance de fuga"  viu-se arrependido. Suplicava aos prantos por salvação médica, divina ou o que quer que fosse, mas já era tarde. Uma bala, um último suspiro e lá se foram todos os futuros anos - cabisbaixos por não poderem mais existir. 

Lembro de uma vez em que estive adoentada por muitos dias. Sofria a cada minuto com dores, mal estar e algumas privações típicas de quem está de cama. Durante os chás amargos, compressas e punhados de comprimidos coloridos não cansava de me imaginar fazendo coisas corriqueiras. De maneira repentina desejava e valorizava o comum: passear ao ar livre, tomar um banho bem demorado, dormir a noite inteira sem acordar durante a madrugada ou conseguir tomar um suco. Quando sarei me senti momentaneamente bem mais feliz do que era antes de adoecer, mesmo que mais fraca e debilitada.

Me apodero do clichê e afirmo que todas as dores vêm por uma razão. Afinal, que outro parâmetro teríamos para definir o que chamamos de "felicidade"? É aí que mora o problema do suicídio. E quando, entre o ato desesperado e o fechar de olhos, há espaço para alguns segundos de consciência? E quando o indivíduo percebe o quanto para ele, naquele momento, todos os problemas parecem não significar nada perto da possibilidade de não estar respirando no próximo minuto? De estar à beira do irreversível?  Não deve existir sensação pior. 

Respirar talvez seja a melhor solução para a maioria das problemas. Eu sou desse povo que esquece de encher os pulmões nas horas mais críticas. Mais ai de mim se não puxasse o ar fugitivo de volta ao peito com a insistência de uma sobrevivente. Não se enganem: por mais que tudo esteja bem, às vezes o oxigênio parece fazer curva na direção contrária às minhas narinas.  A mente é fraca e os boicotes e vazios são muitos. Se a gente deixar, tomam conta. 

Tenho uma vida boa. Nunca me faltou nada: casa, família, escola, amigos, amor. E mesmo assim já pensei em sumir do mapa, do mundo... em desintegrar. Como bem disse Nietzche "A ideia do suicídio é uma grande consolação: ajuda a suportar muitas noites más". Admito sem a mínima vergonha que já desejei sinceramente nunca ter nascido. O fato é que os dias pesam e a gente deixa o cansaço e as frustrações virarem melancolia com a maior facilidade (uns mais que outros). Precisamos de descanso. Dormir, parar de pensar e até parar de respirar as vezes pode ser crucial: quer algo mais relaxante do que um bom mergulho?

Há poucos anos, nos tempos da faculdade de Direito, um dos meus colegas mais inteligentes e simpáticos também nos deixou. O rapaz tinha brilho nos olhos e era aparentemente bem sucedido. Tinha origem humilde e parecia ser mestre em conquistar objetivos. De origem humilde passou cedo em um concurso público concorrido e tratou logo de cursar Direito - uma antiga vontade -, depois resolveu seguir o seu verdadeiro sonho: abandonou a faculdade e pouco depois soubemos que ingressara no curso de Medicina em uma conceituada universidade federal.  Além disso, o moço ainda vivia cercado por sua bela esposa e por um lindo filho. Sua partida prematura foi um choque e até hoje uma triste perda para todos nós. Em minha memória ainda conservo a lembrança daquele sorriso sonhador, em minha caixa de mensagens, ainda guardo um e-mail (03/07/09) seu com o seguinte vídeo encaminhado "Eu queria mais tempo".

Desde então, tenho reparado o quanto os atos suicidas têm sido recorrentes: outros amigos e colegas se foram, bem como diversos adolescentes que frequentavam os mesmos ambientes que eu e até tinham vidas parecidas. Os "desistentes" são cada vez mais jovens e parecem tão sonhadores e comuns quanto você, caro leitor. Uma coisa é certa: jamais saberemos os motivos exatos ou angústias insuportáveis que levam qualquer pessoa à abrir mão do tempo, esse ingrediente tão precioso e perseguido pela maioria dos mortais.



Eu morro de medo da vida, desse mundo louco, das tristezas, de não dar certo. Mas tenho meus planos traçados: se nada for como eu pretendo viro outra coisa, sabe? vou virando e desvirando até acertar. Vai que acabo virando o jogo? Se não souber o que fazer, me encolho feito minhoquinha cascuda. Fico quietinha e imóvel até segunda ordem, pra não desmoronar. É preciso uma boa dose de paciência e esperança. É imprescindível criar estratégias.

Depressão é doença e precisa parar de ser tratada como frescura ou simples tristeza. Apatia, isolamento, vontade de morrer recorrente, pensamentos claramente suicidas, cogitar maneiras de se ferir, medir possibilidades de danificar a própria existência: se você pensa/age assim ou conhece alguém que tem tido essas ideias, procure ajuda.

Os suicidas, mesmo os que planejam a morte, não querem se matar, mas matar a sua dor.

Anda deprimido(a) ou conhece alguém que está assim? clique em "Mais informações".


Sites:

Quando a alegria se vai: relato de uma depressão com final feliz.: Blog maravilhoso sobre felicidade, depressão e maneiras de se sentir bem.

Vídeos:

Marca-passo: Canal recente do Rafinha Bastos com histórias de vida e superação pra lá de inspiradoras. Vale a pena!
Continue curioso: Infeliz no emprego ou no atual caminho que escolheu? Você não pode perder esse canal com vídeos excelentes sobre gente que deu uma bela reviravolta e passou a fazer o que ama.
Reportagem completa sobre depressão: Reportagem exibida no programa "SBT repórter" com esclarecimentos sobre depressão.

Filmes (indicações):

O lado bom da vida (2012)
Reine sobre mim (2007)
Patch Adams - O amor é contagioso (1998)
A garota das nove perucas (2013)


Associação Brasileira de Psiquiatria









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