Tudo começou com medicina. Foi paixão à primeira vista. Colecionava caixas vazias de remédios em um armário, empilhadinhas. Tinha um registro de todos os meus pacientes, com direito à fotografia recortada de revista e colada na fichinha de anotações, onde também estava listado o histórico patológico. Atendia em meu consultório - precariamente instalado no quartinho dos fundos de casa - crianças, preferencialmente. Eram bonecas, de todas as cores, tamanhos e queixas.
Anos depois, na 7ª série, as coisas mudaram. Tirei a minha primeira nota baixa em matemática. Acho que foi 6,0 ou 5,0... não lembro. O fato, é que a partir daí passei a ponderar as possibilidades do meu sonho. Diziam: para passar no vestibular de medicina, tem que ser bom em matemática, física e química. E eu ia murchando, murchando e murchando.
Eis que no mesmo ano, uma professora de Português nos passou um trabalho. Teríamos que ler o livro "O crime do Padre Amaro", de Eça de Queiroz, e montar um julgamento. Haveria um juiz, um réu, uma vítima, um grupo de promotores e um de advogados de defesa. Era quase um júri armado: o padre galanteador havia seduzido uma "inocente" jovem. Além disso, a moça ficara grávida. E no momento do parto, Amaro contratara uma parteira de fama duvidosa. Depois de malogrado parto, duas mortes: mãe e criança. Foram quatro julgamentos - com quatro turmas diferentes - e em três turmas o júri, formado por alunos haviam chegado ao mesmo denominador: condenaram o pobre padre. Entretanto, na minha sala, a coisa foi bem diferente.
Eu era advogada de defesa. E adorei o desafio. Li e reli o tal livro, e tentei extrair dele um olhar malicioso, um cruzar de pernas, ou qualquer evidência que demonstrasse que Amaro, longe de ser alvo de sedução, tinha sim, sido seduzido pelos encantos da bela jovem. Consegui a absolvição do réu. E muitos elogiaram a 'proeza'.
Iludida que sou, me animei. Era tudo o que eu queria: pensar que não precisava melhorar em matemática. Era ótima em Português e História, e boa em Redação. Queria mais o que? Estava decidido. Ia fazer Direito. Tinha gostado da adrenalina, de ir contra, de expor o meu ponto de vista e de convencer às pessoas. Alguns diziam que eu daria uma ótima jornalista. Mas a ideia que eu tinha de jornalismo era: ser uma mulher estática, de cabelo muito curto, usando terninho e lendo notícias com a feição mais séria possível. Não, não era isso que eu queria pra mim.
E aqui estou. Formada em Direito. E sabe o que mais? Odeio Direito. Não vejo a menor graça. Daí o notório desgosto para o estudo, sentimento esse, que deu nome ao blog. Talvez o meu dom, desde o início, seria o de influenciar as pessoas com os meus argumentos.
Acho ótimo, acho lindo quem gosta da área jurídica. Mas não faço parte desse grupo. Porque cursei? Boa pergunta. Nem eu sei. Acho que foi medo de desistir. Sabe quando você vai adiando uma desistência e quando vê está quase impossível voltar atrás? Por razões lógicas e racionais (ou não) me mantive na luta. Focando na futura liberdade, como uma escrava expectante, que já sabia que a Lei áurea sairia dali a 4 anos.
Sonhei com um curso que me fizesse realmente alçar vôos mais altos, sem pesados vade mecuns à tira colo. Doeu bastante continuar a estudar as leis que pouco me interessavam. Por outro lado, poderia ter doído ainda mais parar e descartar todos os esforços que já tinha feito para estar ali... admitir que todos aqueles dias de resistência não tinham passado de uma grande perda de tempo. Nunca vou saber o que teria sido o mais certo a ser feito. Preferi não pagar pra ver.
Hoje tenho um canudo que jaz imóvel na gaveta. Mas os cinco anos de Direito serviram pra alguma coisa: tive um longo tempo para pensar, ponderar, descobrir e admitir algumas características da minha essência. Entre as milhares de profissões disponíveis, estou quase certa da que me fará feliz. Digo quase, porque nada nessa vida é definitivo. Nem eu.
Aguardem cenas dos próximos capítulos ;)
Sonhei com um curso que me fizesse realmente alçar vôos mais altos, sem pesados vade mecuns à tira colo. Doeu bastante continuar a estudar as leis que pouco me interessavam. Por outro lado, poderia ter doído ainda mais parar e descartar todos os esforços que já tinha feito para estar ali... admitir que todos aqueles dias de resistência não tinham passado de uma grande perda de tempo. Nunca vou saber o que teria sido o mais certo a ser feito. Preferi não pagar pra ver.
Hoje tenho um canudo que jaz imóvel na gaveta. Mas os cinco anos de Direito serviram pra alguma coisa: tive um longo tempo para pensar, ponderar, descobrir e admitir algumas características da minha essência. Entre as milhares de profissões disponíveis, estou quase certa da que me fará feliz. Digo quase, porque nada nessa vida é definitivo. Nem eu.
Aguardem cenas dos próximos capítulos ;)
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