Devaneio

Tenho um super poder. Pinço bons momentos em histórias ruins como ninguém. E consigo encapsula-los como se 100% bons fossem. E realmente são. São pequenas partes saudáveis e maduras de uma fruta podre. Aquelas que teimamos em comer, porque a parte estragada ainda não foi capaz de estragar a totalidade.

Fico pensando o que seria de mim sem esse "dom". Resumiria anos e momentos a puros traumas. E seria injusto...ah se seria. Afinal, ninguém me toma as marcas dos meus sorrisos. Meu "bigode chinês" está de prova. Os sulcos são nada menos que lembretes de noites e mais noites de alegria. Quem liga para a ruga entre as sobrancelhas? Essa foi de choro, eu sei. O choro que veio por causa do riso desmedido - porque as vezes até o bom traz péssimas consequências.

As vezes não: quase sempre. Comida boa engorda. Sexo sem camisinha engravida (o que pode ser péssimo, se indesejado). Bebida causa irremediáveis dores de cabeça. Confiar faz a gente quebrar a cara. Acreditar é o que dá chance pro engano. O sim as vezes quer dizer não. 

Mas voltando aos momentos: Tive uma amiga, uma vez. Que virou praticamente inimiga depois de poucos meses. Era uma cobra. Mas cantamos Sandy & Jr às alturas, conversamos tardes e tardes, brincamos de inventar misturas nutritivas com babosa para hidratar os cabelos. Íamos ao colégio juntas, fazendo companhia a outra. Era gostoso. Era bonito. Acabou mal. Como muitas outras coisas felizes que vivi nesses 25 anos. 

E aquele namoro? Final traumático, doloroso, desesperador. Mas e as impagáveis tardes de coca cola e pão de queijo? E os beijos e abraços quentinhos? E o "Eu te amo"? E as nojentas lambidas no rosto? E o braço em torno da cintura? E os segundos de honestidade e certeza? E os planos fajutos, tão empolgantes e irreais que embalavam as noites nubladas? E a simples sensação de estar feliz só por estar junto com alguém que nem era lá grande coisa, mas parecia ser? Impagáveis memórias.

E as noites de música com quem hoje não te diz bom dia? Oswaldo Montenegro ainda ressoa vez ou outra, e me arranca um sorriso gostoso, lá dentro do coração. Éramos duas criaturas perdidas, deitadas em minha finada cama, assistindo sempre o mesmo DVD. E era confortante, calmante, salutar. Me fazia bem sentir os bem me queres envoltos ou não em falsidade, escorregadios ou não na falta de caráter. E quem sou eu pra julgar? O desespero faz tudo. 

E por falar nele, quanta merda fiz levada por esse sentimento. O tal do des-espero. A dificuldade de esperar que as coisas melhorassem ou parassem de doer. A ferida parecia não querer cicatrizar, e eu fazia como quem põe sal na afta, na esperança de sarar. No fim, a dor era aguda e o problema estava multiplicado ao invés de resolvido. E até disso tiro algo que serve pra vida. Que tira um sorriso tímido dos lábios que há tempos tremiam e aparavam lágrimas. As coisas mudam e melhoram embora não se apaguem. Basta tentar viver apesar de tudo. Concentrar em algo bonito. 

E basta uma música. Uma simples valsa, pra tornar legítimas as minhas doces lembranças pinçadas em meio a pequenas tragédias. Me dou o direito de revive-las e pensa-las como se puras fossem. Como se nada escuro circundasse o meu direito de sentir saudade. Como se todas as coisas ruins do  mundo inteiro tivessem sido extintas e a atmosfera fosse tomada por uma névoa rosada que apagasse todo o cinza. E "valsando, como valsa uma criança", permito-me fechar os olhos por um segundo. E pensar que quando se trata da vida, não existe o "não valeu a pena". Tudo valeu, tudo foi bom. Por alguns minutos sou e fui feliz. Apenas FELIZ.


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