Cadê a minha dor de amor?



A gente nasce com espacinhos no coração. Tratam-se de pequenos compartimentos que devem ser preenchidos ao longo da vida.  É aí que entra a vida amorosa: por mais que muita gente não admita, a presença ou ausência dela vai sempre interferir.  

Ser solteiro é ótimo e tem lá suas vantagens. Entretanto - sobretudo depois de uma certa idade - chegamos à inevitável conclusão de que acompanhados a vida parece mais doce e feliz. O conforto de ter um peito para recostar à noite ao invés de mil travesseiros é tentador. Cafunés, beijos, abraços, presentes e tudo mais que um relacionamento pode oferecer: pequenos e deliciosos vícios que vamos adquirindo ao longo da vida.

Mas e quando as coisas acabam? O espacinho que era do amor fica vazio? - Quem dera. Muitas vezes continua mais cheio do que nunca. O sentimento que era saudável e bonito vira uma massa cinzenta e dolorida que teimamos em manter guardada à sete chaves. Alimentamos a dor que fica, porque o espaço em branco parece ainda mais desesperador. 

E assim ficamos: Com o coração preenchido por fisgadas e beliscões do nosso amor mal resolvido. Se tudo parece se acalmar, damos até um jeito de fazer ressurgir. Somos verdadeiros mestres em cutucar: ouvimos aquela música que que nos faz lembrar, revemos as fotos, cartas, presentes e bilhetes de casal e por fim, futucamos toda e qualquer rede social acessível. Sentimos prazer em ressuscitar o sentimento morto, mesmo que fique em coma, mesmo que vegete e não exista nenhuma chance de melhora. 

Mas um dia tudo evapora. Vamos nos distraindo com a vida, conhecendo outras pessoas e bebendo drinques e mais drinques de tempo. Num momento de vazio, resolvemos recorrer à companhia do clássico poço de lamentações e descobrimos que a fonte secou. Que não sentimos mais nadica de nada e o espaço está, enfim, desocupado. E agora? Como ouviremos músicas como "Deslizes" de Fagner com a mesma emoção? 

É quando a gente percebe o quão bom - e nada saudável, eu sei - era o nosso tantinho de sofrimento guardado. A dor do pé na bunda, a dor de corno, a dor de ter levado um fora sem explicação.  As nossas clássicas companheiras de bar. As que nos faziam fechar os olhos nos refrões desesperados, brindar avidamente, fechar os dedos contra a testa e derramar uma lágrima quente nos dias frios. Aquela lágrimazinha de lembrete. Lembrete de que a gente já amou, já viveu. 

Quando isso some, fica só a surpreendentemente apagada e inofensiva lembrança. As músicas já não doem aquela dorzinha gostosa e a gente já não sabe mais o que é sofrer pensando em alguém. No início é bom. Ficar em paz, colocar as ideias no lugar. Mas a verdade é que com o tempo passamos a sentir aquela solidão apática. Trata-se de um sofrimento morno por ausência de amor ou dor. Para os intensos de plantão, uma verdadeira tortura. A vida pede tempero o tal vazio grita que está pronto pra ser preenchido outra vez. Sofrer, talvez. Só mais um pouquinho. 

É saudável sentir saudade de dor de amor? Não sei. Os manuais de psicologia provavelmente devem sugerir o contrário. Pelo sim, pelo não, às vezes é hora de "partir a geleira azul da solidão e buscar a mão do mar" como bem aconselhou João Bosco em "Corsário". Resta ter fôlego pra nadar. 


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