Original ou réplica?



“Você me lembra alguém”. “Tu parece demais com um amigo meu”. Ouço isso e de imediato meu riso solto gargalha no ar. Quem gosta de ouvir isso? PARECER é um verbete nada admirado. Imitar é um pouco pior, pois pressupõe a vontade do praticante. Queremos sempre ser originais, ainda que sejamos eternos miméticos. Desejamos uma identidade puramente autêntica, uma voz inimitável mais potente que a do Tim Maia, uma graça diversa dos engraçados todos, roupas e acessórios EXCLUSIVOS, um dançar mais dançante que a Shakira em ataque epilético e somos os mesmos. Porque, INCLUSIVAMENTE, “nosso desejo permanece o mesmo”. Qual é ele?

Já não é a primeira vez que numa festa um ou outro amigo me aponta um alguém parecido comigo. Um colega de trabalho já havia me dito que conhecia um cara que é a minha cara. Uma amiga já tinha visto um e me apontou numa festa, mas não fomos apresentados de “menecma” para “menecma”. Eu disse a ela, “É, parece um pouco”. Na escola tinha um garoto mais velho, do segundo grau, que parecia comigo e era malhado (coisa que eu nunca fui). As garotas me abordavam na cantina para pedir que eu entregasse bilhetes apaixonados ao meu suposto irmão. Era um saco!

Outro dia fui num rock e lá vinha o meu colega de trabalho com esse cara a minha cara, a um passo atrás. Olhei para a cena e entendi tudo, sem que se dissesse uma palavra. Antecipei, “É esse o meu sósia?”. Ele confirmou balançando a cabeça. “Como é teu nome?”, perguntei diretamente ao cidadão. “André”. Foi tudo o que conversamos. Que estranheza! De tão sósia que o cara era, o estranhamento foi mútuo. Olhamo-nos por poucos segundos num movimento espelhado e partimos em silêncio. Não consigo imaginar sobre o que poderíamos ter conversado. Já pensou se ataco de nonsense e sugiro compararmos fotos de nossa infância? Imagine... Nós dois estupefatos constatando que sempre fomos um a fuça do outro.

Fiquei por longo tempo com aquela imagem na cabeça, talvez dias. “Não somos sequer parentes, como pode?” O pensamento permaneceu tornado riso, fiquei imaginando se na cabeça de alguém que conhece um de nós e viu o outro, ocorreu uma confusão boba e misteriosa. Quem não quer mistério? “Quem é esse cara?”. “O que esse maluco faz?”. Eu estava mesmo odiando que eu não fosse o único a parecer comigo mesmo. “Eu amo mim. Mim ama eu”. Uôu, Rita Lee fazendo-me REFLETIR!

Meu grande mestre, conselheiro de ensinamentos memoráveis, Raul Seixas, já me desestabilizou seriamente com reflexões nessa seara filosófica. A voz dele me guia para esta viagem sem volta: “Era uma vez um sábio chinês, que um dia sonhou que era uma borboleta voando nos campos, pousando nas flores, vivendo assim um lindo sonho. Até que um dia acordou e pro resto da vida uma dúvida lhe acompanhou: se ele era um sábio chinês, que sonhou que era uma borboleta, ou se era uma borboleta sonhando que era um sábio chinês”. O arremate necessário aqui é o de saber espelhar-se ou projetar-se no outro e ter certeza de quem se é. Alguém aí tem essa certeza certeza certeza? Ressoa em mim também.

Aquele cara a minha cara, o André, me mostrou a imbecilidade que tem o temor da comparação. A prática da comparação é mesquinha. “Nos querem todos iguais”, porque mesmo a sua autenticidade-mor é um arremedo barato. A originalidade tem valor agregado e custa caro. É encontrar prazer naquilo que é escasso, raro, único, de requinte. Sabe aqueles entendidos de música que querem ouvir o que ninguém ouve e detestam uma canção só porque ela entrou na novela? A jóia rara afasta a mácula da bijuteria. A etiqueta da marca separa a “elite” da multidão, quem veste igual é mero proletário fardado, estudante ou prisioneiro. O popular é populacho, o clichê não merece o clique do bom gosto. E você vem pagar de original? O ORIGINAL NÃO PODE SE DESORIGINALIZAR, O ORIGINAL NÃO PODE SE DESORIGINALIZAR... Trava-língua trava a cuca atravanca o repique de qualquer samba. Eu sou réplica e tenho um Ray-Ban que ninguém diz.


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2 comentários:

  1. cazuza diz em uma música: "você na multidão, você é diferente!". você escreve diferente, até quando fala em iguais. sósias. texto ducaralho meu irmão!

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  2. Obrigado, meu amigo!!! "Suma não que me dá até insônia". Quando você não vem, não comenta, fico achando que fiz a coisa toda desandar. hehehe Grato pelo seu incentivo. ABREIJÃO!

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