A vida sem internet

 Como agíamos nos tempos de vida "manual" e como nos acomodamos com a direção eletrônica e, em piores casos, com o piloto automático.

A internet e suas infinitas possibilidades, sobretudo nos últimos quinze anos revolucionou o que chamamos de “rotina”. Lembrar como era viver sem a tal rede é uma verdadeira viagem no tempo. Ao mesmo tempo, somos convidados a alguma reflexão sobre o sentido de alguns dos nossos hábitos atuais e inocentes como consultar os e-mails no meio de uma conversa ou publicar uma foto bonita no instagram. O saudoso mundo off line, como era, então?

Lembro-me de brincar na varanda de casa há muitos anos atrás. As tardes ensolaradas eram preenchidas com faz-de-conta, desenhos, cantigas de roda e panelinhas de plástico. Vez ou outra encontrava rente ao portão um papel bem dobrado: Eram correntes – na maioria das vezes de oração – grafadas em máquina de escrever e enviadas manualmente. “Faça 20 cópias e envie há 20 pessoas e sua graça será alcançada”, costumavam sugerir. Isso me faz pensar que a gente continua muito parecido no quesito chatice: a internet, seus malditos spans e o uso abusivo dos e-mails figuram, na atualidade, como instrumentos distintos de proliferação de todos os tipos de ideias. Já não precisamos depositar papéis de maneira furtiva por frestas de portas: invadimos virtualmente de maneira ainda mais eficaz a vida do outro.

O tempo de escola não poderia ter sido mais sadio: os trabalhos davam trabalho. Eram bem mais originais, posto que ainda não tinham inventado o tal CTRL+ C. As pesquisas eram feitas em grupo, nas bibliotecas. As enciclopédias eram as melhores amigas: ainda guardo como recordação e enfeite – já que não possuem utilidade prática - a coleção completa dos vistosos livros vermelhos: a Barsa – presente dos meus pais.  O engraçado é que conseguíamos executar com louvor toda e qualquer investigação: o folhear de páginas era a única opção, mas os prazos eram sempre cumpridos. Hoje em dia, conseguimos encontrar informações em segundos. Já não nos limitamos aos livros e toda aquela poeira charmosa. Os mais românticos diriam que a busca pelo conhecimento perdeu um pouco da magia. O que eu sei é que economizamos suor. O saber deixou de ter cheiro de páginas amareladas.

As bancas de revistas, por sua vez, eram parada obrigatória todas as semanas. Assisti seu apogeu, numa época em que a rede era ainda era tímida. As manchetes enchiam os olhos e aguardávamos ansiosos por novas informações. Líamos nos ônibus, no sofá de casa, nas filas de banco: o ballet com os dedos em telas touch screen era algo restrito aos filmes futuristas. O fato é que as publicações parecem ter encolhido. Já não possuem tantas páginas. Algumas viraram sites ou aplicativos que acessamos facilmente pelo celular. As editoras demitem mais, enquanto os jornaleiros correm risco de extinção. Minha banca preferida deu lugar à um quiosque de açaí, vê se pode.

Naquele tempo ia à locadora nos fins de semana. Comprava em lojas físicas ou pelo telefone. Os vídeos amadores – tremidos e embaçados – limitavam-se aos VHS cuidadosamente empilhados em um armário. Se quiséssemos compartilha-los, era só reunirmos o maior número de pessoas no sofá: uma alegria só! Gravávamos o último capítulo das novelas se não pudéssemos assisti-las. Impossível imaginar que no futuro teríamos youtube.

A melhor forma de socializar era sair de casa. Brincava de pique-esconde à noite com todos os vizinhos da rua. Nos divertíamos, corríamos, conversávamos e estreitávamos pessoalmente os laços, ao invés de jogarmos on line. Eram tempos menos solitários, sem dúvidas. Tínhamos rodas ao invés de redes. A conversa rolava no recreio, nas praças, nas casas uns dos outros: aos amigos próximos, abraço, aos distantes, cartas coloridas, devidamente seladas. Mas chega Mark Zuckerberg para inverter a ordem das coisas: Estamos mais perto de quem está longe e mais longe de quem está perto. Às vezes uma mesa de distância parece quilômetros. Diálogos são interrompidos por "pluc's" "plins" e "plans" e a comida esfria enquanto arranjamos o melhor ângulo para publicá-la no instagram. Ao invés de puxarmos assunto com os presentes, conferimos as atualizações do facebook e as conversas do Whatsapp. O virtual parece sobreposto ao real como uma fina, porém crescente, camada.

Mas como seria, pois, a minha vida sem internet em pleno ano de 2013? Voltaria a pesquisar nos livros, escreveria cartas aos amigos distantes e me sentiria, a princípio, completamente excluída do convívio social. Pensando bem, deixaria de ver a nova foto de perfil de alguém que mal conheço e jamais saberia que fulaninho passou as últimas férias numa praia paradisíaca. Perderia o contato ilusório com pessoas que muitas vezes sequer me dizem oi. O tempo estaria mas livre para os amigos – os poucos e reais (e não os 300 listados em minha página). Sairia mais, conversaria mais, interagiria mais. Não existiriam tantos “hã?” “que?” “desculpe, estava distraída”. Faria menos e melhores fotos: aquelas que tiramos para nós mesmos e não precisam passar pelo crivo alheio. Teria que levar um mapa de São Paulo na bolsa, já que não poderia contar com o google maps.

Talvez a questão não seja a existência ou não da internet. E sim a nossa permissão desenfreada para que ela domine todos os espaços. Algumas das facilidades que a vida “on line” torna palpáveis são indiscutivelmente confortáveis. O desafio é não nos deixarmos atrofiar enquanto seres humanos. Caso contrário, corremos o risco de virar versões virtuais e artificiais de nós mesmos. Mas ainda há tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

diga aí

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...