O primeiro


Antes mesmo que pudesse estrear o primeiro sutiã já estava possuída por essa força estranha chamada amor. E foi à primeira vista. Daquelas paixões que gelam o fundo da barriga, transformam as pernas em varas verdes e induzem o coração a saltos eufóricos dentro do peito precoce de menina moça. Até comecei a usar brilho roll on de fruta e um desodorante mais caro, vejam só. Tomava um banho de Ma Chérie , usava furtivamente o condicionador da minha mãe e saía para o colégio completamente confiante.

Tive o direito de viver todos os clichês de livro barato: o olhar fixo, a boca seca, as palavras que teimavam em não sair e os desabafos regados a lágrimas no diário enfeitado com clips, papéis de bala, adesivos e fotos dos irmãos Hanson. Eram dezenas de cartas-jamais-enviadas entulhadas entre uma página e outra.

Minha vida sentimental já nasceu vestida de comédia e drama: o primeiro amor tinha - necessariamente - que ser platônico. O CD de Sandy & Júnior resplandecia no criado mudo, ao lado do "micro system" já cansado de embalar as minhas sessõezinhas de masoquismo musical. Era quase que um ritual: ouvir o disco seguidas vezes enquanto imaginava situações hipotéticas com aquele meu "príncipe", objeto de total devoção. Gostava de montar uma historinha que não deixava a dever a nenhum filme de sessão da tarde. Era uma amizade que nascia aos poucos e depois virava amor entre uma música e outra: quase um Glee tupiniquim e nordestinizado. 

A projeção criada por meus miolinhos sonhadores era doce. Mas as manhãs chuvosas e reais na escola estavam bem longe disso. Eis que depois de alguns trotes passados, micos pagos, declarações anônimas e até explícitas, percebi que daquela vez não bastaria ser boa menina.  Trocando em miúdos, nem se eu fosse a última garota da galáxia o menino me daria atenção. O infeliz simplesmente não me queria nem-a-pau-Juvenal, acreditam?

Fui obrigada a espanar a purpurina imaginária e dispersar os unicórnios de estimação - segui a vida, admitindo a possibilidade de que mesmo com insistência, luta e sentimento verdadeiro as coisas poderiam não sair como o esperado. Os "happy ends" derreteram como picolé em dia de sol, ali, bem diante dos meus olhos cheios de lápis barato. Fiel entusiasta do conceito Disney de amor, fui apresentada à vida fora das telas. Do lado de cá, as bruxas malvadas tinham passe livre e os príncipes aos seus pés.

Cinderela, no fim das contas, usava vestido de chita e sandália crocs. Branca de neve tinha melasma. Rapunzel era dona de cabelos secos e danificados e estava pensando seriamente aderir à progressiva. Ariel mal sabia nadar. Além disso, atentou para o fato de que era impossível cantar debaixo d'água. A pobre Bela não parava de berrar feito Fera em seus surtos de TPM. Nem Jasmine escapou - logo logo puxaram-lhe o tapete.

Entendi naquela época a importância do exercício da reescrita. Página virada - ou melhor: destacada com cuidado do caderno. Afinal, não seria louca de estragar a capa sorridente e palpável do Thiago Lacerda.


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