O corpo que eu não tenho e nem preciso ter


Há muito tempo atrás, ainda pré adolescente, lembro de ter comprado uma roupa linda. Tratava-se de um conjunto de calça e blusa de tecido estampado. O top deixava a barriga à mostra e a calça - cintura baixa - vestia o quadril estreito e as pernas magras de maneira satisfatória. Me sentia linda com esse traje, até um "belo dia".

Uma amiga, me parou na rua para elogiar o look: - Nossa, que roupa linda!, pena que não fica bem no teu corpo, acrescentou em tom de hostil lamento. Indaguei imediatamente o porquê, em minha perplexidade. E ela respondeu prontamente: "esse tipo de calça só combina com quem tem coxão e bundão, assim, tipo eu". 

Fui para casa absolutamente incomodada com a situação. Jamais tinha passado pela minha cabeça que além de olhar, provar e comprar uma peça de roupa, teria, ainda, que passar pelo crivo dos críticos de plantão. Não lembrava de ter visto na etiqueta da calça alguma especificação sobre "pessoas proibidas de usar essa roupa". E o tempo foi passando.

Passei a ter receio de ouvir esse tipo de observação desagradável. Comecei a tentar me enxergar com os olhos dos outros: "- Não, não vou levar essa porque me deixa muito sem bunda", "- nossa, que linda, pena que não tenho corpo pra usar". E sabe o que mais dói? é que magra ou não, até o início da pré adolescência a nossa convivência - minha e das minhas formas - era absolutamente pacífica. 

Só que fui ouvindo uma série de comentários. Ser magérrima no país da bunda parecia tão difícil quanto ser albina numa tribo africana. Confesso que não tive estrutura para lidar com os olhares de reprovação, e, quando menos esperei, era eu a minha própria carrasca. Já não precisava que alguém me entristecesse com uma crítica infeliz. Encarregava-me, em pessoa, de julgar e condenar toda e qualquer tentativa de sair de casa como eu queria de verdade.

Certa feita, recebi um recado de um desses amores platônicos do colégio: - Não fico com ela porque ela não tem corpo. E parei pra pensar: Mas afinal, pra que ele precisa de tanta carne pra ser feliz? Classifiquei-o, imediatamente, como "Homem açougueiro" e iniciei o meu processo de aceitação. Antes tarde do que nunca, pensei. 

Não, eu não tinha o corpo que sempre quis ter. E jamais teria (as tentativas frustradas na academia que o digam). Mas agora tinha a plena consciência de que eu também tinha escolha: e escolhi ignorar as críticas destrutivas e desconsiderar os preconceituosos de plantão. Seria eu, o meu corpo, e quem mais o quisesse, até o fim.

Mesmo tomando pra mim a missão da auto aceitação, me achava feia, magra demais... completamente fora dos padrões (que eu acabei aderindo). Uma vez arraigada essa inversão, tenta só elimina-la pra você ver: é uma luta! Queria, na verdade, poder caminhar sem arrancar olhares, ser só mais uma na multidão. E se para isso tivesse que ser igual aos outros, no fundo, era isso que eu queria ser.

Mas o tempo foi generoso. Houve também os que elogiaram e até idolatraram partes que eu jamais gostei em mim mesma. Ver que alguém não me achava feia, talvez me tenha feito acordar também para esse fato. Parece bobo, eu sei. Mas em verdade, a mente de uma menina de quinze anos é complexamente simplória. Indescritível. 

Hoje, superados os traumas - ou pelo menos boa parte deles - olho ao redor e vejo que nada mudou fora de mim. Pelo contrário. As pessoas estão ainda mais exigentes quanto a própria aparência, e, com isso, com a dos outros. A academia entrou na moda. Deixou de ser um local onde as meninas vão com seus rabos de cavalo suar a camisa. O cool é começar a produção antes mesmo de alcançar o shape desejado: Cabelos soltos, chapados, maquiagem em dia, malhas coloridas de diversos modelos, combinadas com um - aliás, vários - pares de tênis colorido. É a geração cubo de gelo. Encaixam-se todas em formas bem definidas pra não fazer feio. 

O barato agora é a hipertrofia, é o #projetopanicat. Milhares de hashtags invadem as redes e não nos permitem esquecer um instante que estamos - eu e muitas outras - fora dos padrões #projetoverão. Longe de mim querer criticar quem adotou o estilo. Mas será mesmo que precisamos de tudo isso para estarmos realmente bonitas e interessantes?

Pois bem. Quantas vezes me vi prometendo idas à academia quase em tom de desculpa? É como se fosse errado ser um pouco flácida e ter algumas celulites hoje em dia. Mas o caso é que minha prioridade não é participar de um desses "projetos", admito. Pelo menos por enquanto. Ainda prefiro gastar minhas horas livres escrevendo, lendo, ou conversando com amigos e não gostaria de ser julgada por isso.

Se estou "competindo" com as saradonas de plantão, é uma pena. Sairei perdendo, talvez. Mas e quantos(as) perdem por não repararem em alguém legal unicamente pela regra da aparência? Se tiver que passar pela peneira de aprovação baseada no tamanho das coxas, estou certa de que não estarei perdendo nada de tão significativo.

Felizmente não admiro os "homens açougueiros" desde muito tempo atrás. Continuo aqui, sendo uma mulher de carne, osso e nenhum músculo digno de estar remexendo tudo em um desses programas de auditório. Pertenço ao mundo da vida corrida, da preguiça, da mania de comer brigadeiro e tomar refrigerante. E não pretendo sair dele tão cedo. 

Magrela ou gordinha, o importante - e isso sim é o que deve ser perseguido - é ter saúde. Estar com as taxas em dia, com a coluna reta, com a pele protegida, com a voz original de fábrica (e não maculada pelo excesso de testosterona). O resto é detalhe. 

Boa malhação pra quem gosta! Mas lembremos que beleza começa de dentro pra fora (bem mais de dentro, viu?)  Pra quem ainda não aderiu aos novos padrões, um recado: vocês não estão sozinhas. E antes que eu me esqueça: você é BONITA, sim. Bem mais do que imagina. 



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* Extra

Concorrer com o photoshop é sempre cruel. Não caia nessa. 









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