Continuo tendo fome, sono e dormindo nas mesmas fronhas floridas. Mas já não anoiteço ao som de grilos. Ouço os trilhos rangerem ignorando a madrugada. Minhocas metálicas e gigantes circulam por toda cidade em linhas coloridas. Já não vejo estrelas. A fumaça e toda espécie de poluição as resguardam para os imaginadores. Talvez seja esse o charme e lembrete: a crueldade da noite não dá o céu de mão beijada. Pelo bem da sobrevivência somos obrigados a imaginá-las em seus tamanhos e cintilâncias. É a cidade do sonho.
Por falar nisso, sonhei que andava desanimada sob o chão empoeirado. Tudo parecia um degradê de cinza: do claro ao chumbo. A tediosa cartela de cores comprimia o coração receoso. Insistente, empunhei uma vassoura. Num ato de coragem, lancei-a contra tempo e vento. Varri toda a fuligem e fui recompensada: pude enxergar o tapete de estrelas no qual pisara inocente todo esse tempo.
Meu mundo agora tinha as cores do universo. Curiosamente enxergava-o de fora, feito astronauta. Admirava estarrecida os mares de possibilidades. Ponderava a essa hora, se conseguiria de fato abrir mão da falta de gravidade à que estivera condicionada. Ali em baixo não haveriam flutuâncias. Só as ânsias e uma tal força que teimaria em levar tudo pra baixo.
Acordei. Estava disposta a usufruir também da parte boa. As torneiras com água morna, os supermercados que nunca fecham, os tomatinhos deliciosos e o teatro grátis. Não chegamos de vez. Todo mundo que muda parece embalado à vácuo. Aos poucos a cápsula se dissolve. E aí sim, São Paulo passa a fazer efeito. Tomara.
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