Pela segunda vez, o movimento “O Vale Acordou” foi às
ruas ontem (27) em protesto pelos problemas políticos e sociais que acometem a
população brasileira. A primeira manifestação acontecia há pouco mais de uma
semana, com uma surpreendente massa revolucionária formada por aproximados 15
mil cidadãos comuns. Entre os rostos pintados de verde e amarelo, ou mascarados
com o anonimato da causa “V de Vingança” (mote do manifesto), reuniram-se nas
duas ocasiões pessoas de diferentes idades, sexualidades, partidos políticos,
cor e religião. O elo comum dessas pessoas? Lutar por um país melhor. “Nossa!”,
alguém – ironicamente - poderia dizer, ao chegar a esse trecho da leitura. É
que de tão tarimbados que somos como essa coisa do Brasil piada, do Brasil
fodido, do Brasil sem rumos, ficamos mesmo descrentes da possibilidade de algo
dar certo.
Estávamos acostumados a pensar “Ah, vou perder meu tempo? Que se
dane o Brasil!”. E danou-se mesmo. Temos uma educação terrível, com resultados
ainda maquiados pela política de aprovação nas escolas e pelas propagandas
“caça votos”, que nos subestimam com outdoors
falsários. A nossa saúde pública desce ralo a baixo levando consigo desde bebês
submetidos a partos precários até idosos flagelados e acomodados nos corredores
frios das unidades hospitalares sem atendimento devido. Faltam profissionais. Foram
tirar uma soneca ou almoçar e o outro plantonista ainda não chegou. “Tenha
paciência, que na sua frente tem umas 30 fichas e o médico hoje é um só, infelizmente”.
Faltam materiais e recursos básicos. “Não tem soro sem glicose e ela é
diabética”. “Perdão. A gente marcou seu canal, mas até hoje estamos sem
anestesia”. “Você vai ter que ficar ali no corredor, porque não tem mais nenhum
leito desocupado”. Isso é Brasil! E esse Brasil ainda deve incomodar muitos de
nós. Se não lhe incomoda, você precisa seriamente refletir sobre o que lhe
ocorre.
A mim incomoda bastante. Incomoda-me saber que enquanto estamos
sossegados no conforto de nosso cotidiano alienante, prefeitos aprovam contas de
modo arbitrário em sessões extraordinárias, de certo temendo a lei de corrupção
como crime hediondo, recém aprovada. Coisas assim acontecem bem ali na sua
cidade e comprometem recursos advindos dos seus impostos, que deveriam ser
usados em seu, em nosso, próprio favor. Não é uma lógica difícil de concatenar.
Mas, o pensamento costumeiro volta, “Ah, vou perder meu tempo? Que se dane o
Brasil!”². Que se dane a nossa inércia. Que se dane o nosso pensamento
reducionista e mesquinho. Que se danem a nossa acomodação e a nossa preguiça de
pensar com uma lógica cidadã e democrática. É exatamente assim que as
manifestações que aí estão nos sugerem pensar. Nossos representantes não nos
representam.
Nosso engendramento político se manifesta num esquema de barganha
tácito, que negligenciamos conhecer as regras. Talvez esse “despertar do
gigante” seja mesmo o despertar das nossas mixarias mais podres e silenciadas. Seja
o despertar do interesse comum à frente do nosso interesse egoísta. Esse
interesse egoísta de político sacana, que a gente vê dando certo e como
cidadão honesto que é morre pensando “Será que sou eu que sou o otário?”. Estive cansado de assistir essa galera
emplacar no tempo mais curto, acumular riquezas a toque de caixa e sair
cantando pneu pela largada queimada, com o orgulho sacana de quebrar as regras
e poder gargalhar com dentes de ouro. Bom, antes que eu fique filosófico por
demais, vou passar a bola – bem no ritmo da Copa #sóquenão.
Estive presente nos dois dias de manifesto, em
Juazeiro e Petrolina, fazendo a cobertura jornalística. Contei com a
colaboração dos fotojornalistas Maurício Fidalgo e Pérola Gama, que registraram
momentos importantes dos acontecimentos nas ruas. A seguir, você encontra uma
série de fotografias e depoimentos que relevam a força da “Revolta dos 20 Centavos”.
Leia! (clique em "mais informações" logo abaixo)
Ludmila Farias, 28 anos, mestranda em Antropologia:
“Uma mistura muito grande de vontades e de queixas fez o vale acordar. A
população está insatisfeita não só a nível Brasil, não é uma simples
totalização. Os problemas começam aqui em Juazeiro, nos interiores mesmo, e
depois crescem num efeito bolha. O que acontece agora é uma insatisfação geral
que não está só representada pelas capitais, não é só Rio, não é só São Paulo,
não é só Brasília. Todos estão sendo atingidos com a corrupção política desse
país, há um sentido de desconfiança generalizada com o que acontece no
congresso, no senado e na própria presidência”.
Milene Kelly da Silva, 17 anos, deseja cursar
Psicologia ou Medicina: “Eu tive uma professora que sempre disse que nós éramos
uma geração acomodada e ela havia participado das manifestações em favor do
Fora Collor. Lembrar disso me levou a pensar que esse era o meu momento de
fazer alguma coisa pela história do Brasil. O movimento “O Vale Acordou” e
tanto outros no país servem para mostrar justamente que a nossa juventude está
insatisfeita e essa insatisfação nos trouxe às ruas. A gente luta por uma
política mais honesta e por um transporte público mais barato, acessível. Não é
só por 20 centavos, quer dizer no caso de Juazeiro é 25 centavos, o que é ainda
pior. O comodismo acabou, a gente nunca esteve dormindo, estávamos apenas
hibernando e esperando o momento certo de aparecer”.
Emily Novaes, 17 anos, estudante de Ciências
Contábeis: “Eu protesto porque esse país está uma bagunça, os políticos
aproveitam seus mandatos para acumular dinheiro pra si, de forma desonesta e
nenhum deles é punido. Isso é absurdo! A saúde está em desordem e faltam
investimentos, a nossa educação é falha, e por isso estamos todos aqui nas ruas
lutando por melhorias para o nosso país. Aos que ficaram em casa, meu convite
segue a hashtag: #VemPraRua gente,
que isso aqui vai ficar lotado! Vem lutar pelos seus direitos, que no final
todos ganharemos com isso”.
Carlos Andrade, 20 anos, estudante de Ciências Contábeis
(Foi às ruas com um enorme mosqueteiro cobrindo ele e o amigo, Kelvin Reis. Uma
piada e uma clara reivindicação à enorme quantidade de muriçocas que perturbam
os moradores de Juazeiro): “Eu vim reclamar o problema das muriçocas, que está
cada dia mais difícil. A coisa é séria, quem mora aqui sabe. E, claro, que o
maior problema desse país é a “roubalheira” política escancarada. Os caras
roubam e não acontece nada, todo mundo sabe e todo mundo já está cansado de
saber. E um problema que me incomoda muito é a saúde precária de Juazeiro.
Esse, de forma pessoal, me atinge mais por eu ter perdido recentemente um amigo
- vítima da falta de assistência médica de qualidade”.
Teófilo Pires, 32 anos, advogado: “Vim dar o meu apoio
moral e colaborar com os estudantes que precisam de transporte público
acessível e de qualidade. Mais que isso, eu vim lutar pela não aprovação do
Projeto de Emenda Constitucional - PEC 37, que deseja tirar todo o poder do
Ministério Público de investigar na seara criminal a corrupção de políticos.
Esse projeto só interessa a quem de fato tema a justiça. Os legisladores que
são eleitos por nós terminam fazendo leis que lhes favoreçam e à sua classe.
Portanto a nossa atenção a esses oportunistas devem permanecem até o momento da
urna, para não irmos de encontro com o que manifestamos aqui hoje. Se não fosse
essa força tamanha de união e de contingente, muito dificilmente teria havido a
primeira vitória que foi a redução do preço das passagens em São Paulo. O
prefeito de São Paulo não pretendia baixar, pela pressão do manifesto ele junto
com o governador decidiram baixar a tarifa. O que a gente vê é que a ação
popular é uma forma de estabelecer leis a partir dos interesses e
questionamentos do povo. Reivindicar dá certo assim como a participação do povo
através de referendos e plebiscitos dá certo também. Então nada mais plausível
do que o povo ir às ruas nesse momento se manifestar. Para quem ficou em casa,
eu diria que se inteire mais, leia mais, se informe mais, mas que abracem a
causa. Por mais que na venham às ruas, por que não gostam ou não podem, que
isso não impeça que analisem a situação. Não deixem quem está lá em cima, no
poder, ditar todas as regras. O poder é mando do povo, isso a gente nunca deve
esquecer”.
Átila Rios, 22 anos, estudante de Engenharia Civil:
“Pensei que morreria sem ver um protesto como esse, e vim participar por ser um
manifesto legítimo e necessário. Esse movimento une vontades com os movimentos
‘Passe Livre’, ‘O Vale Acordou’, ‘O Gigante Acordou’ e ‘Change Brazil’. A gente
está protestando por tudo, é que é tanta coisa errada nesse país... É pela
corrupção política, pelo superfaturamento de obras e eventos - como os 32
bilhões da Copa, pelas pessoas que passam fome, por todos aqueles que morrem
nos corredores de hospitais pela ineficácia do SUS e etc. Enquanto tudo isso
acontece, há uma intenção política de mostrar ao mundo que está tudo lindo para
a Copa, que tem estruturas de primeiro mundo. Jogaram Mentos na Geração
Coca-Cola! Tenho certeza que essa revolução vai entrar para a história, com já
se arrisca nomear, talvez se chame de Revolta do Vinagre ou Revolta dos 20
Centavos”.
Wandson Padilha, 24 anos, estudante de Medicina: “Acho
que os manifestos começados no sudeste fizeram o Brasil todo perceber que o
povo nas ruas pode conseguir transformação. A juventude se colocou nesse
espaço, porque ela visualiza que ainda tem um futuro. E essa é uma tentativa de
transformar esse futuro daqui pra frente. Essa manifestação é, sobretudo, pelos
20 e pelos 25 centavos do transporte público sim. A minha opinião é de que
devemos manter o foco em pautas específicas. A mídia tenta diluir pautas mais
importantes incluindo na discussão problemas maiores que o país tem. Claro que
todo mundo é contra a corrupção, isso é óbvio. Mas a partir do momento que a
gente vai diluindo as pautas centrais a gente vai perdendo a força do
movimento. É preciso perceber que existe uma intenção das mídias conservadoras
e aristocratas do país em desviar o foco do movimento. As pautas latentes dizem
respeito ao alto preço da passagem no transporte público, à precariedade da
saúde pública brasileira e às discrepâncias governamentais em termos de
projetos - como a PEC 37 e o projeto de Cura Gay. Enquanto militante LGBT, eu
acho que essa questão da cura gay é um retrocesso gigantesco para o país e para
a sociedade. A gente que está na área da saúde sabe que a homossexualidade não
é doença e, portanto, não é passível de cura. Infelizmente, o nosso legislativo
tem tido uma força de bancadas conservadoras que trazem à tona pautas e
projetos que não são populares e que, mesmo assim, tem conseguido avançar. Mas
a mobilização popular tem o poder de barrar esse avanço controverso. Que não
pare por aqui! Que a partir de agora o povo perceba que somente através da
mobilização popular a mudança é possível”.
* Reportagem de Raphael Barbosa (Comunicólogo graduado pela UNEB)
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