Lara | fotografia: Lívia Ramos |
Existem amizades que começam como amor à primeira vista. Sem o mínimo esforço e planejamento um riso recíproco, uma piada de mesa de bar ou uma simples apresentação através de amigos em comum podem engatilhar uma relação fraterna até o fim da vida. É aquele caso clássico de "gosto de você de graça". O santo bate, os astros conspiram e você vai com a cara da(o) tal fulana(o): é praticamente uma armação do universo. Quando caímos na real algum tempo depois, nos damos conta de que não tivemos opção simplesmente porque não foi uma escolha: tinha que ser.
Hoje vou falar de uma amiga em especial. Uma das que fiz em Juazeiro, nos árduos e quentes tempos de faculdade. Poderia iniciar esse segundo parágrafo fazendo uma tocante ligação com o primeiro e dizendo o quanto nos adoramos de cara, mas estaria mentindo descaradamente. A coisa não passou nem perto disso. A verdade é que o que hoje chamamos de amizade começou como implicância. Aquela clássica sensação recíproca de que alguém não vai com a sua cara. Aquele torcer de nariz involuntário.
Desde essa primeira má impressão percorremos um caminho tímido e lento de aproximação. Fomos quebrando as barreiras dia após dia. Ensaiamos sorrisos e arriscamos conversas, até que um dia acordei e me vi incapaz de negar qualquer pedido seu. Tinha sido sorrateiramente tomada pelo sentimento de cuidado e bem querer por aquela a quem finalmente podia chamar de amiga.
Vi a menina dona dos mais belos sapatos da faculdade passar por muitos momentos. Desfilou altiva pelos corredores da universidade mil temperamentos diferentes, humores, curvas, cortes e cores de cabelo. Distribuiu sorrisos frenéticos e caras amarradas despreocupadamente. A mensagem foi clara desde o início: não estou aqui pra agradar. Essa era Lara: a independência em pessoa.
Dizem que desde o nascimento mostrou-se incômoda e incomodada. Gritava e chorava mais do que qualquer outra criança. Ainda nas fraldas passou seu recado e apelo: quero tudo o que há de melhor. Mais tarde fez brotar em um dos pequenos pés um ramo de flores. Tatuou a beleza na própria pele, talvez pra ser dona de uma aprazível visão até mesmo nos dias em que não estivesse de cabeça erguida. Algumas vezes notei o desenho tímido, recolhido em sandálias rasteiras de oncinha ou sapatilhas: sinal de que algo não ia bem. Descer do salto era coisa que só fazia quando a vida estava complicada demais pra equilibrar.
"Ameixas: ame-as ou deixe-as", advertiu Paulo Leminski em alguma década passada. Talvez como lembrete, Lara batizou sua serelepe cadelinha. Ameixa é sua amiga e fiel escudeira. Guarda e vigia sua amada dona, ao tempo que denuncia em cada latido de boas vindas o amor que a sustenta e nos faz atravessar pontes, estradas e ruas escuras só pra encontra-la.
Sabiamente, sua mãe cuidou de dar-lhe um nome de estrela. Inspirada pelo filme Doutor Jivago, batizou sua segunda filha como a mocinha da trama, talvez pelo desejo de aparelhar aquela futura cria para os percalços que parecia intuir inevitáveis. A reluzente e peculiar protagonista, dotada de defeitos e qualidades humanas, sobrevive bravamente em meio a toda espécie de problemas da vida, tendo como plano de fundo a fria Rússia czarista. A jovem de feições delicadamente fortes venceu todo o tipo de obstáculo, demonstrando que apesar de inspirar cuidados como qualquer moça de sua idade, também consegue livrar-se dos infortúnios como ninguém. Homens inconvenientes, guerras violentas, frio, fome, medo, abandono, mudanças: mesmo diante de tudo isso, a Lara do filme permanece linda, loira e reluzente até o fim. Parece, curiosamente, reascender ainda mais bela, depois dos maiores sofrimentos. A singela combinação das quatro letrinhas esconde um espírito resistente como poucos e camufla estrategicamente sua verdadeira natureza guerreira. A personagem não poderia ser mais bela e minha amiga não poderia ter um nome mais adequado.
Certa feita, escrevi para as minhas amigas Flor-de-mandacaru, Tulipa e Papoula. Tenho essa mania de tirar mudas de pessoas e coloca-las em meu canteiro. Mas naquela época Lara ainda não fazia parte do meu coração como hoje. Pensando nisso, aproveito a alegria por comemorar mais um ano ao seu lado para, finalmente, promove-la ao status de girassol.
Não haveria espécie mais adequada para definir a grandiosidade de minha pequena notável do coração imenso. Além disso, o amarelo de suas pétalas simboliza a áurea riqueza, qualidade pulsante e inegável do seu espírito. O gosto do girassol é estar sempre iluminado e abraçado pelo sol: não exita em girar para estar sempre na posição mais aprazível. São, ainda, notadamente belos, alegres e independentes: não condicionam o seu movimento ao vento mesmo mantendo raízes. Valseiam como podem pelos canteiros, sem medo de não parecerem flores. Inevitavelmente especiais e iluminados, como Lara. Girassóis não passam despercebidos jamais. Nem ela, tampouco.
Ainda falta muito para conhecer a maior parte dessas tantas facetas. Impossível não ficar tímida com as palavras: nenhuma até aqui pareceu demonstrar a dimensão da minha admiração. Talvez por isso tenha evitado escrever. Mas continuarei tentando, garanto.
Que o batom de hoje não imobilize os teus lábios (como de costume). Espero sorrir e ver o teu sorriso quando entre brindes festejarmos a tua felicidade até altas horas! Feliz aniversário.
*texto escrito originalmente em 10.05.2013
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