Vai cair água amanhã, mainha?

Volto de minha última visita a Senhor do Bonfim, na Bahia, aterrorizada com a falta d'água. Uma coisa é ver nos jornais as cenas de incêndios, terra rachada. Outra bem diferente é vivenciar as limitações que a seca prolongada impõe. Os banhos de cuia, quase à conta gotas, me fizeram pensar em como vai ser daqui a alguns meses, com o São João. A água já insuficiente para suprir as necessidades básicas da população local terá que ser ainda mais dividida. Homens e mulheres que vieram de suas terras comparativamente fartas, onde situações de economia compulsória são desconhecidas, não abrirão mão de estarem devidamente cheirosos e limpinhos no “Forró do Sfrega”.

Frases como "Economiza, deu na rádio que só cai água dia 19" são ouvidas em toda parte. Famílias inteiras dividem e racionam o líquido valioso, ao tempo em que aprendem que banho não pode continuar sendo a hora de pensar na vida. Calçadas já não são lavadas despreocupadamente com mangueiras. As bancas dos feirantes começam a se distanciar da fartura. Enquanto isso, a grama das praças jaz seca e triste nos canteiros:  Ficou, acertadamente, em segundo plano.

Bacias, baldes: vale tudo quando o assunto é armazenar a água. Todo mundo quer garantir a comida feita, a roupa limpa e o banho tomado.  Pela primeira vez, vi a lavadeira reutilizando o bem precioso: a água que enxagua roupas é a mesma que mais tarde vai lavar o chão. Do outro lado, uma prima se queixa do aumento de espinhas no rosto e cogita, entre as hipóteses mais prováveis, que o fato se deve à pressa com a qual tem higienizado o rosto todas as manhãs: “Com esse racionamento acabo lavando o rosto rápido demais, com medo de derramar muita água”, diz em tom de preocupação.

O barulho da ducha, antes tão comum e portanto pouco notado, agora é sinfonia para os ouvidos. O balde, a cuia e a preocupação, têm sido companheiros inseparáveis do legítimo cidadão bonfinense.  As flores secaram, as varandas estão empoeiradas e o gado pasta mais ossudo do que nunca.  Ainda esse domingo, minha avó confessou em tom de lamentação “Estou tentando salvar as minhas plantinhas com a água que aparo do meu próprio banho”.

Em meio ao panorama desesperador, a Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento) garantiu o fornecimento regular de água ao menos nos três dias de festa de São João. Um sacrifício em prol da alegria, tradição e necessária movimentação da economia já tão castigada. Os dias que precedem os festejos, entretanto, provavelmente permanecerão escassos e os ulteriores a todo o “esbanjamento” permanecem como uma incógnita. O jeito é arriscar.

Quem a essa altura ainda não acredita em uma força superior, comece a repensar, pelo bem de todos. Aos que acreditam, sugiro que rezem, recorram à simpatias, novenas... vale até macumba quando o assunto é deixar de padecer da falta d’água. Diante de toda a impotência, restam, invariavelmente, algumas possibilidades: poupar mais do que nunca o elemento vital e caprichar na fogueira para São Pedro esse ano. E seja o que Deus quiser.


' Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação '
(Asa branca / Luiz Gonzaga)

Um comentário:

  1. Bem tensa a realidade de viver na seca do semi arido no NE , Imagino quanto é mais real esses periodos mais do que vi na forma lirica de poemas e esses textos .
    Bom trabalho
    PS : Visita meu blog se der : http://2cabecasviajantes.blogspot.com/

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