Alguém especial

* Texto vencedor do concurso da Revista Época
 “Para você, o que torna alguém especial?" 


Especial para mim, na maioria das vezes, é justamente quem parece não vestir essa carapuça. É quem esquece de ligar, demora pra responder o SMS, não nota o novo esmalte e muito menos o corte de cabelo. É quem me contraria, incita debates, ensina coisas. É quem grita e no outro minuto me abraça apertado e beija com paixão. Especial é quem emociona. Quem briga feio e depois se rende ao sexo da reconciliação. Quem nos faz ajeitar os cabelos com mais vontade todas as manhãs. É quem nos provoca o uso religioso do enxaguante bucal. É quem nos faz raspar as pernas em tempo frio. É quem preenche as lacunas de um domingo a tarde com companhia. É quem tem lugar cativo no meu edredom. Especial é quem faz de casa a pele da gente. É quem escolhe morar nos nossos gostos, cheiros, texturas. Na era da obsolecência programada, do fast food e dos descartáveis, especial mesmo, é quem se faz permanente ou pelo menos durável, quando todos vão embora. Especial não é nenhum ser perfeito ou tomado pelo romantismo constante. Especial é quem é grato ao universo por se sentir espontaneamente feliz ao lado do outro, mesmo com todos os percalços. O meu alguém especial é companheiro de cinema, cama, viagem, farras, restaurantes e de vida, sobretudo. Especial é quem prefere poupar lágrimas a estar certo o tempo inteiro. O alguém especial não era o que habitava os meus sonhos pueris. É, sim, quem contempla e faz valer o meu eterno despertar.

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