Os riscos e risos dessa highway

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 “Que procuras? – Tudo. Que desejas? – Nada. Viajo sozinha com o meu coração. Não ando perdida, mas desencontrada. Levo o meu rumo na minha mão.” 

(Cecília Meireles) 

Muitas vezes vacilei por essa ilha de calor. Tentei encontrar explicações divinas, cósmicas ou do destino para o fato de andar tão desencontrada aqui. Mas aí percebi que sair da rota, às vezes, é o único caminho em direção ao que somos de verdade. Por exemplo: Só aqui descobri que não gostava de Direito. Depois de alguns anos fantasiando sobre a vida e os grandes julgamentos, vejo que não é a minha praia a formalidade do curso que escolhi.  Se vou continuar na área quando me formar? isso já é demais. A fase "desencontrada" me ata e impede que faça planos para além de 1 mês. O rumo tomado o ano que vem, é segredo até pra mim.

Em terras petrolinenses também aprendi a viver só. E o mais importante: aprendi que não gosto e não quero isso pra mim, por mais que eu seja um dia uma coroa-bem-sucedida-rica-e-independente, dessas que a gente vê poraí. Eu escolho a família. Escolho os conflitos inerentes à ela. Quero a blusa suja de molho de macarrão aos domingos e o tilintar ensurdecedor dos talheres ansiosos. Quero voltar a fazer bolinhos de chuva com banana e canela. Quero tardes calmas no parque, lendo contos infantis de Lispector para os meus pequenos. Quero abraço, cobertor, filme e chocolate quente  em dias chuvosos, lado a lado com quem eu escolher.  Quero sorrisos e lágrimas, mas por favor, Deus, só não esqueça desse detalhe: quero gente ao meu lado. 

Também aprendi que carro facilita, mas que há certa magia em andar a pé. Magia que eu só soube reconhecer quando reparei, depois de alguns meses que só andava sob quatro rodas de borracha. Como foi aliviante deixar os pés tocar o chão molhado de chuva das calçadas, ou colocar um tênis e correr por quilômetros admirando o rio São Franciso e o Pôr-do-sol.  Ver casais abraçados na grama no parque municipal enquanto andava e aproveitava para fotografar o caminho. E por falar nisso...

Aqui conheci a minha paixão por fotografia. Desde criança admirava o trabalho do meu irmão mais velho, na época fotógrafo, hoje também jornalista. Percebi que captar nas lentes pequenos pedaços de beleza enfeitaria as minhas retinas já tão fatigadas pelo sofrimento do não-pertencimento em tudo que fazia. Fotografar é o meu escape, admito. O momento em que sou só eu, alheia e concentrada, como pode? As  tão frias e vítricas lentes escorrem a minha sensibilidade.

Aprendi bem cedo - ainda no primeiro dia de aula da faculdade - que escrever aliviaria ansiedade, tristeza e até a alegria. E nem bem pisei os pés aqui, já criei um blog (na época em outro endereço, bem secreto). Desde então me divirto publicando desabafos, opiniões, críticas ou simplesmente escrevendo o que der na telha. Escrever é dar lugar ao sonho. É quando posso ser quem quero e estar aonde eu imaginar - e daí o porquê de advertir a todos que os meus textos nem sempre descrevem a realidade fática -.

Sobretudo, foi aqui o lugar em que aprendi a amar as pessoas. Não que não soubesse antes, mas o sofrimento e a experiência advinda dos erros e acertos acumulados, me renderam certa dose de amor próprio. Já ouviram o conhecido clichê ' só conseguimos amar alguém depois que aprendemos a amar a nós mesmos ' ? sempre achei impossível, mas eis que após alguns anos de vivência intensa, com os pés totalmente plantados na realidade constatei o improvável: a maioria estava certa. Amar depende de amor próprio. Tudo o que vier além disso é dependência, carência, dormência e 'cia's mais. 

No final tudo parece estar dando certo: apesar dos desencontros, nunca me senti tão consciente de quem realmente sou. Em que pese não ter achado ainda o caminho certo, tenho reparado na paisagem. E aí quem sabe lá na frente, sacudo a poeira e volto alguns passos, pra algum canto aconchegante desses que tanto admirei na viagem.





8 comentários:

  1. Adorei ver que vc ta se dando melhor consigo mesma... fico tao feliz!! já presenciei tantas fases tuas... e essa é especialmente encantadora... teu olhar direcionado pra o seu EU te faz tao bem...te deixa mais linda... e faz ver o q os outros nao veem... fotografar com os olhos e passar isso para quem ta perto...as lentes sao apenas forma de registro coletivo...do mais...te amo minha tita!

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  2. Emocionada aqui. Com a semelhança da a válvula de escape fotográfica, a sensação da nau perdida, os arranhões e enjôos inerentes à viagem que estamos fazendo no mesmo convés nos últimos três anos e meio de nossas vidas. Inda bem que, depois de tanto chacoalhar nos porões da embarcação, a lição resignada do mínimo existencial - denominada amor próprio - finalmente nos conduziu ao mastro: Agora, do alto, o alívio de poder suspirar: Terra à vista.Rumo ao desconhecido, em breve a vista o alcançará e então atracaremos em algum chão firme para chamar de nosso.

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  3. muito real seu texto e bem escrito..
    também me senti assim ao final do meu curso, me formei mas ainda nem de longe estou realizada.. Sei o um pouco do que vc sente..

    adorei a musica.muito linda..
    me vista?

    http://papiando-adoidado.blogspot.com

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  4. caramba!
    nunca mais tinha lido algo tão bom.
    se bem que nunca mais tenho lido nada.
    você não gosta de direito, e parando pra pensar agora, eu nem sei se gosto do que faço, me toma tanto tempo fazer, que dá preguiça de pensar.
    e você está escrevendo cada vez melhor, sério mesmo.
    beijo

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  5. Que texto encantador!
    Cheio de começos-fins-recomeços.
    Ar de evolução,de aprendizado.

    Gosto muito quando você retrata situações reais-suas ou observadas.Dá um maior tom crítico e opinativo no que escreves.E que por sinal,só melhora a cada post.
    Parabéns!!!
    p.s.:Assustei-me com a "nova cara muito séria" do blog.Como se vc tivesse sendo curta e objetiva.Tava "acostumado(a)"a ver "cores".

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  6. a 'nova cara muito séria' é só uma passagem, anonimo. pretendo criar um design novo em breve. no momento, deixei com ar de limpeza. vazio de mudança. vamos esperar as coisas novas.

    :)

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  7. Que coisa linda, Lívia.
    Também sonho em encontrar o meu porto seguro e ali atracar. Enquanto isso, continuo a viagem admirando a paisagem e sobrevivendo aos naufrágios - insistentes em tirar-me o fôlego.

    Um beijo, adoro passear por aqui.
    :)

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