O morango era de plástico. O vermelho acrílico brilhava na palma da mão e os olhos atentos de minha mãe aguardavam a minha reação de surpresa ao descobrir o primeiro batom. Ao abrir: surpresa! Algo vermelho, meio gosmento, que eu mal sabia o que era. - Passa na boquinha, filha. Minha mente de criança mal sabia distinguir um cosmético de uma geléia cheirosinha. E assim eu utilizava: passava, olhava os lábios carnudinhos e vermelhos no espelho e logo em seguida lambia até não sobrar mais nada.
Agora, me vejo numa daquelas tardes de domingo. O calor escaldante não desanimava a turma de primos que brincava até o escurecer no quintal da rechonchuda avó. Entre pés de pitanga, acerola, tamarindo, carambola, manga, limão, cajú, laranja, seriguela e côco, nós brincávamos: Fazíamos as palhas pendentes do coqueiro de cipós, e como pequenos tarzanszinhos sobrevoávamos baixinho toda aquela imensidão de verde. Criava eu mesma venenos para os formigueiros. Aliás, o meu sonho era criar um potente veneno que matasse formiga e gente - pasmem, mas eu odiava uma prima -.
As minhas substâncias letais, baseavam-se, geralmente em água da torneira - segundo minha mãe, um líquido extremamente tóxico, por conter 'bichinhos' muito nocivos para qualquer organismo -, areia - onde eu sabia que todos pisávamos com os pés carregados dos mais variados micróbrios e Sultão (o cachorro) fazia xixi indiscriminadamente -, folhas desconhecidas - minha avó sempre aconselhava-nos a não comê-las, já que algumas eram prejudiciais a saúde - e umas frutinhas vermelhas, que davam somente nas samambaias da varanda.

Assim passávamos a tarde: Por vezes brincando com bolas de gude, noutras, usando o caule de alguma planta como canudo para fazer bolinhas de sabão (com os copinhos com água e detergente que a minha avó nos dava). Fazíamos ainda, do pé de seriguela a nossa nave espacial e cada um, em um galho diferente, possuía uma função. Fazíamos bolinhas com misturas de terra e água e brincávamos de guerra também, porque não? (pena que naquele tempo ainda não existiam aquelas propagandas do OMO que estimulam os pais a deixarem que os filhos sujem toda a roupa e depois lavem com um sorriso.) Geralmente, essa brincadeira terminava em bronca e castigo.
Comia biscoito de morango, usava brilho de morango, tomava pick nick de morango e achava morango a fruta mais especial do mundo. Mas um dia constatei: - Mãe, eu nunca ví um morango de verdade. Cheguei a pedir que a minha avó plantasse em seu quintal-que-dava-tudo, mas ela dizia: -ora menina, deixe de ser 'desasuntada'.
Um dia, lá estava eu, no auge dos meus 7 anos, talvez. Era uma tarde tediosa, em que eu assistia um filme na globo (provavelmente "A lagoa azul", "Curtindo a vida adoidado" ou "Lessie"), e então, sinto duas mãos macias taparem os meus olhos e a voz de minha mãe mais espevitada que o normal disse: - adivinha o que eu trouxe pra você? Em seguida, me fez apalpar, de olhos fechados uma frutinha maior que seriguela e menor que uma maçã. Eu, num salto nem pestanejei: é "morango"!
Ao abrir os olhos, fiquei alguns minutos admirando a tal fruta. Minha mãe fizera questão de escolher uma fruta de cor e formato idênticos aos que passavam na televisão ou estampavam as embalagens de biscoito. Era um morango perfeito, vermelhinho, com folhinha verde. Eu cheirei, olhei e subitamente fui acometida de um pequeno receio: e se o morango de verdade não for tão gostoso quanto o do brilho, do biscoito e do geladinho?
Nesse momento, tive os pensamentos interrompidos por minha mãe, que ansiosa me apressou: - ande, prove logo! E aí o medo aumentou. Não fazia muito tempo que minha querida e amada mãezinha havia me induzido a tomar de uma só vez um copo cheio de "emulsão de scott" (um composto de vitaminas e óleo de fígado de bacalhau bem tradicional, que os pais dão pra criancinhas que consideram magras) dizendo ser "vitamina de banana, mas com gosto de framboesa".
(continua no próximo post)
Um dia, lá estava eu, no auge dos meus 7 anos, talvez. Era uma tarde tediosa, em que eu assistia um filme na globo (provavelmente "A lagoa azul", "Curtindo a vida adoidado" ou "Lessie"), e então, sinto duas mãos macias taparem os meus olhos e a voz de minha mãe mais espevitada que o normal disse: - adivinha o que eu trouxe pra você? Em seguida, me fez apalpar, de olhos fechados uma frutinha maior que seriguela e menor que uma maçã. Eu, num salto nem pestanejei: é "morango"!
Ao abrir os olhos, fiquei alguns minutos admirando a tal fruta. Minha mãe fizera questão de escolher uma fruta de cor e formato idênticos aos que passavam na televisão ou estampavam as embalagens de biscoito. Era um morango perfeito, vermelhinho, com folhinha verde. Eu cheirei, olhei e subitamente fui acometida de um pequeno receio: e se o morango de verdade não for tão gostoso quanto o do brilho, do biscoito e do geladinho?
Nesse momento, tive os pensamentos interrompidos por minha mãe, que ansiosa me apressou: - ande, prove logo! E aí o medo aumentou. Não fazia muito tempo que minha querida e amada mãezinha havia me induzido a tomar de uma só vez um copo cheio de "emulsão de scott" (um composto de vitaminas e óleo de fígado de bacalhau bem tradicional, que os pais dão pra criancinhas que consideram magras) dizendo ser "vitamina de banana, mas com gosto de framboesa".
(continua no próximo post)
Que infanto-traminha mais gostoso, cheiroso e macio. É como a sensação de tomar o banho das cinco, depois de ter passado o dia se sujando na brincadeira. E depois ir para a janela enquanto a mãe desembaraça o cabelo.
ResponderExcluirMinha mãe plantou uma mudazinha em um velho cuscuzeiro que humildemente fez-se caqueiro quando eu tinha uns quatro anos e moranguinhos eu tinha todos os dias pela manhã, eles nasciam e de verdinhos ficavam bem vermelhos e eu sempre ansiosa para comê-los. Para mim a frutinha parecia um coração, que nobreza...
ResponderExcluirTá lindo o texto. Me faz relembrar sentimentos bons de minha infância, repleto de cores, sabores e ingenuidades infantis. Era lendo e psicologicamente sentindo uma brisa boa de fim de tarde, aquelas que você esta numa situação ideal pra propaganda de OMO e senta-se para descansar embaixo de uma árvore. ^^
ResponderExcluirqueri ver o resto da historia....
ResponderExcluir=/