a noite da pantomima

O chiado de mil pés enchia o salão. A luz era baixa, amarelada e quente. Forró não faltava. O vinho barato gelado preenchia a taça e a boca em quentes goles. Ao lado, um homem trajando roupas tipicamente indianas convidava as mais diferentes espécies de mulheres para dançar (o que era um show a parte). Nas outras mesas rapazes-cheirosos-baba-feita, desempenhavam com louvor o papel que lhes cabia: desinteressantes homens, bebendo e fitando as moças a rebolarem entre um passo e outro. E eu? estaria alí para dançar, observar ou caçar - sim, também tenho os meus instintos de fêmea - ? Não sabia bem o porquê de ter entrado ali aquela noite. Na verdade, preferia um barzinho underground que ficava logo ao lado. Mas a maioria ganha quase sempre, E lá estava, meio se jeito e sem saco para aquele lugar exótico.

Nessas horas, vem alguém e insiste para que você dance. Eis que resolvo, por conseguinte, bailar com um dos colegas da faculdade, pelo assoalho liso. Foi divertido. A música rápida, a sandália escorregando e as tentativas frustradas de imitar a moça louca que dançava com o indiano logo ao lado. Um gole d'água, para a recomposição pós dança e o garçom encosta com cara de quem está tramando alguma coisa: o primeiro recadinho da noite. E assim passei a madrugada. Dançando com rapazes simpáticos, coroas interessantes, doidos varridos e até recebi um convite do indiano! (mas com ele não quis dançar, passos modernos demais para mim).

Mais tarde, encontrei uma loira no banheiro, meio gordinha, batom vermelho borrado, bebendo uma garrafa de cerveja - no gargalo - enquanto lamentava a traição do ex-marido. Gabava-se, a mulher, enquanto revelava uma mecha de cabelo, que ela mesma arrancara aquela tarde, pertencente a  "bandida" que havia arrebatado o seu amor. "Ele andava frio comigo. Não fazíamos amor há mais de um mês", lamentava. Depois de dar alguns conselhos, voltei a minha mesa e entre uma batata-frita e outra brinquei de fazer uma das coisas que mais gosto: observar as pessoas. Vi de tudo: amigos (as) dançando até o suor pingar, os caras que eu tinha "dispensado" queixando outras garotas, o homem de roupas orientais rodopiando com uma senhora alegre, de vestido colorido,e até a loura traída, beijando um, depois outro e depois outro cara. Desviava o olhar dos conquistadores da mesa ao lado e reparava em uma mulher morena, que passara toda a noite sozinha, sentada na penumbra, tomando melancólica uma bebida.

Já no fim da noite, notei - na verdade todos da mesa notaram e me chamaram atenção - um rapaz bonito, de azul, que acabara de chegar e não tirava os olhos de mim. Pensei: será agora? cheia de instinto, retribuí o olhar e logo estávamos a conversar. Belo sorriso, belo rosto, ralas palavras. - Foi um prazer, vou indo sentar com os meus colegas, tá?  Não, não tinha paciência para pessoas normais aquela noite. Na verdade,  não tirava o barbudinho do bar ao lado da cabeça. Hora ou outra, lembrava do rapaz que tinha conhecido aquela tarde, no congresso (há tempos não via lábios tão lindos e convidativos), lembrava também dos antigos amores, já tão esquecidos. Eram muitos e efêmeros os que habitavam os meus pensamentos. 

Hora de ir embora. E aparando a amiga que tinha bebido além da conta, saí do forró, olhando novamente para o bar alternativo que ficava ao lado, com ar de lamentação: ninguém queria ficar lá e fazer eu me sentir mais eu. Hora de bancar a boa cidadã e dirigir no lugar do motorista bêbado. E assim, brinquei de conduzir todos em segurança até o hotel. E fui dormir, cansada de sentir mil cheiros impregnados por todo o corpo. Sonhei com balões de gás aquela noite.



2 comentários:

  1. Voce está ficando cada vez melhor em seus textos...

    Me senti no tal bar...

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  2. se estivesse lá, o final seria outro. CTZ. hahaha

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