Juazeiro
– BA, 1º de outubro de 2013, às 00:25h
Minha
amiga Candoce,
Eu
tinha que lhe escrever essa carta. Não sei por que paramos de nos corresponder,
era um bom treino à nossa literatura, um bom consolo aos nossos pesares
individuais e uma entrega amiga à reflexão de nossas condutas mundanas (risos).
Tenho saudade de nossas bobagens compartilhadas. Nossas cartas eram insanidades
divididas e recalques entregues - vencidos pela distância do olhar. Lembro-me
de não sermos tão amigos antes da escrita. Fizemo-nos próximos no postal do
portal de nossas solidões grafadas. O que lê, o que ouve, o que assiste, como
pensa? Poemas dedicados, medos compartilhados. Nossas vaidades pensantes eram
preciosas ofertas. Lembra do morcego? Aquele morcego marcou a minha vida e
ficou cravado na sua memória. O morcego voltou e por isso mesmo voltei a
escrever-lhe.
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O
morcego é um bicho horrível, fedorento, move-se pelo chão de modo asqueroso,
prefere as trevas, descansa de cabeça para baixo e quando apanhado ou ameaçado,
solta gritos agudos assustadores. TENHO PAVOR DE MORCEGO! Ele representa o meu
medo literal e metafórico, disso você já sabia. Parte desse medo eu devo ainda
a Augusto dos Anjos, “A Consciência Humana é este morcego!”. Ó céus! É essa
minha busca insistente por trazer tudo à consciência, deve ser. Na consciência
real ou na inconsistência do meu medo banal, eles há muito me perseguem.
Adentram meus sonhos em formas gigantescas. O temor congela-me as reações, eu
já envolto nas enormes asas negras translúcidas não posso fugir - a mordida é
certeira e vertiginosa. Criatividade alimentada por minhas pesquisas sobre as
espécies maiores e mais raras.
Na
época da universidade, reuni amigos para “bebemorar” a vida e ao final dormimos
todos em colchões jogados na sala. A porta do quintal havia ficado aberta. No
dia seguinte, todos levantaram cedo para ir à aula. Eu levantei mais tarde e ao
lado numa espreguiçadeira dormia acolhido um morcego pequeno – pra variar. Pensei,
“Idiotas! Colocaram um morcego de plástico pra me assustar”. Formei a mão para
apanhar o brinquedo, quando senti aquele odor de amônia. O morcego era real.
Surtei! Precisava me livrar daquele bicho antes que ele despertasse. Peguei uma
vasilha de plástico transparente e abafei o estranho ser entre a vasilha e o
assento. Aos poucos, entre os gritos insuportáveis do “feio parto”, fui
encaixando por baixo a tampa. Fomos juntos ao quintal, “O caminho do feio é por
onde veio”. Prendi-o na transparência plástica e deixou-o arder cegamente e até
a morte, ao sol de meio-dia. LUZ! O meu morcego sempre precisou ser iluminado.
E
a metáfora, onde mora? Se não me falha a memória, aquelas nossas cartas antigas
- todas elas - falavam de amor. Acho que a nossa existência reflexiva precisa
mesmo amar. “Viver e reviver o amor que em nós nunca falha”. Hoje, não amamos
as mesmas pessoas daquela época. Algumas delas nos morderam sem saber sequer o
que as havia mordido. Mordidas às cegas, mordidas raivosas e espumadas, sem sistema
biossonar preciso no alvo, mas Efeito Doppler rápido e certeiro na ação e
reação. Bem pregado! Achei pouco! Outras sumiram, talvez habitem devidamente as
cavernas de nosso merecido esquecimento. Deixa lá, deixa estar. Foi isso. O morcego
voltou de olhos abertos na claridade da manhã. Voltou para me lembrar que
habitar a luz é comprovação de realidade, e acho que não sonhei de olhos
abertos. Agora estou amando às claras. Chega de morcegos e bichos notívagos. Na
claridade, eu acerto ele em cheio. Nem dá tempo dele gritar. Deixa ele vir, pra
ver só. Ah morcego, nunca mais! AMOR CEGO NUNCA MAIS!
Amo-te,
claramente, minha amiga.
De
seu amigo,
Raphael
Barbosa.
seu morcego brilha! é pura e total asa de literatura!!!
ResponderExcluirFiz a leitura do texto, mas a sua interpretação naquele dia, na companhia de Candoce, foi emocionante. Amei o texto, gostaria de receber uma carta dessas um dia. ...Espero que eu esteja no exterior, linda e rica, e encontre esse escrito na minha caixa postal. Ou ainda, encontre-o numa revista de nível internacional. Amo seus escritos meu amigo! E continuemos esse exercício, que o grande retorno é a externalização de um sentimento contido, da loucura ou de um pedacinho de nós mesmos!
ResponderExcluirAff fiquei louca para ser essa amiga, e receber uma declaração(universal,generalizada) de amor dessa consistência. Vc continua FORMIDÁVEL! Bjs
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