Inverno, corações e a saudade


Se eu tivesse que escolher uma estação do ano para senti-la, o inverno imperaria. Os olhos congelam, são as lembranças repassadas uma a uma. Os lábios ressecam na sede de sentir mais uma vez o aquecido sabor daquele beijo. Mas, por mais que o corpo reclame, a reivindicação dolorosa vem do centro, do coração. A sua ausência ou o passar do tempo fez com que restasse um coração gelado. Gelo, e só.

É nessa estação, em meio ao gelo, que ela surge. Ela? Sim, a saudade. Ela que com seu poder aquece e também me petrifica perante o passado. Ela que me coloca frente a frente a pessoas, reconstrói cenas, histórias e, quem sabe, reconta toda uma vida. Nos primeiros flashes nostálgicos, ela puxa lá do fundo da memória o que há de bom. Daí começa a surgir o nosso beijo desengonçado dado de repente, a melodia daquela canção que me enviou, cujo refrão dizia: ‘Simple as it should be’. Depois, vem uma leve brisa com teu cheiro doce, junto à sensação gostosa de caber bem no teu abraço. E mais, nosso amor ardente, suas mensagens pornopoéticas diárias, sua gargalhada e a aquela voz rouca ao telefone.

Na calada da noite ou no sossego de uma manhã de domingo, ela chega para fazer sua visita. Chega mansa e sopra baixinho, trazendo consigo uma vontade de voltar, lembrar, reviver justamente o instante que ele te agarrou forte e olhou dentro dos seus olhos e disse chorando: eu te amo, muito, muito, muito. Mas, às vezes, ela vem forte, exaltada e provoca dor, um aperto no peito, por não poder mudar o passado e trazer à tona nossos amores ou melhores dias, ou ainda nós mesmos. Uma vez um rapaz me disse que tinha muitas saudades, saudades da pessoa que ele era quando estava comigo. E na hora eu achei tão confuso, mas só depois entendi que era sim possível ter essa saudade personificada. Quantas vezes fechamos nossos olhos em busca de um reencontro com amigos, parentes, um amor. Porque não um reencontro consigo mesmo?

E então, entendi a saudade que a minha avó tem dela mesma, do tempo de moça, quando seu cabelo era “loiro escorrido e batia na bunda”. E a saudade que a minha irmã tem até hoje das molecagens da infância no sítio, no Rio de Janeiro. Foi aí, que percebi que os nossos gélidos corações sentem a saudade por quase tudo na vida. Desde o passado que viveu ou não, do amor que teve ou deixou de ter, e até do futuro que antes de ser já se sente a falta.

Mansa ou exaltada, toda saudade quando chega revira os nossos secretos baús de lembranças e adentra fundo os nossos corações - digo que até os mais duros e frios. Na partida, deixa no saudoso uma leveza, aliada a um sorriso bobo ou talvez, no canto do olho, a saudade deixa... Uma, duas, muitas lágrimas. Lágrimas com gosto agridoce, gosto, o gosto da saudade.


* Texto escrito por Juliane Peixinho, vencedora do 14º lugar no concurso "Crônica e Literatura - Prêmio Martha Medeiros da Ed. Assis" cujo tema era "Saudade". Para saber mais sobre Juliana, clique em "Mais informações". 



Filha de Peixe, já sabem né? Peixinho é, reza a lenda. Esse é meu sobrenome! Eu me chamo Juliane de Souza Peixinho. Baiana, vinte e poucos anos, graduada em Jornalismo em Multimeios pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), encantada com a arte, e suas modalidades, teatro, literatura, dança, música, cinema ou algo que me tire do chão, faça respirar! Já pensei em ser atriz, mas isso só até descobrir que através da escrita eu poderia externar toda a minha emoção e meus confusos sentimentos. Sou sonhadora, fascinada por crônicas, poesias, filmes românticos e dramáticos. Em dias de lua, aluada. Todos os dias, um tanto estranha, como um Peixinho fora d´água.


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