Amizade: a arte de sustentar o sorriso


Amizade seria um tema batido se não fossem suas infindáveis nuances. Afinal, as ideias predominantes e mais aceitas, nem sempre são completamente confiáveis. Talvez precisem de um corte transversal que revele as várias camadas. Como uma cebola, sabe? A amizade, da forma como é encarada, é uma cebola branquinha e previsível.  Experimente estudá-la a fundo e perceberá o quão árduo será o serviço em meio a tantas capas.

A manutenção dos vínculos entre amigos nos momentos ruins, é tida, universalmente, como uma incontestável prova de amizade. É o empoeirado clichê  "Nos piores momentos descobrimos os melhores amigos". Discordo em parte. E vou dizer o porquê. 

Segundo a famosa corrente, os "falsos amigos" são os que estão conosco somente quando tudo vai bem. Os infortúnios funcionariam como um verdadeiro repelente para essa espécie. Trocando em miúdos, é como se a convivência e a amizade estivessem condicionadas, a princípio, a um jogo de interesses. Quem deixa de possuir os antigos atrativos "roda" no paredão ou, com sorte, descobre-se muito querido.

Pecamos pela inocência, promovendo à amigos do peito todos os que sobreviverem às nossas crises. É o risco da gratidão: geralmente nos cega e amolece. Digo sem medo que existem muitas outras provações. Não estou sendo ingrata, compreenda. O caso é que a gente cresce e acaba assistindo a queda de muitas máscaras. Sou obrigada a admitir a existência de comportamentos ocultos e sutis, que podem ser mais graves do que um estratégico afastamento quando a coisa vai mal.

Há quem se alimente apenas de desgraça. Muitas vezes a surpresa indesejável vem justamente de pessoas que possuem o dom de ajudar quando ninguém mais estende a mão. Os típicos amigos "salvadores da pátria" que esbanjam solidariedade e semeiam gratidão por onde passam. São aqueles que te dão apoio, o número do celular 24 horas atendível além de colo e ombro pra chorar. O único problema é que, apesar de se mostrarem formidáveis quando o assunto é tristeza, alguns, contraditoriamente, não conseguem sustentar o sorriso quando o papo é a felicidade do outro. Representam exatamente o "lado B" da crença tradicional.  Prefiro acreditar que são exceção... mas existem.

A inversão acontece porque, para alguns, a tal solidariedade é muito mais um meio capaz de elevar a própria autoestima. A generosidade propriamente dita, fica de lado. É como se a desgraça do outro alimentasse na surdina o ego do colega. A bendita ajudinha catalisa em algumas mentes uma espécie de quadro comparativo, muito bem traçado, em que o "salvador" sempre ganha. O choro do outro, fatalmente, pode demonstrar o quanto os ditos "amigos" são privilegiados e estáveis. O desconforto alheio desencadeia a estranha plenitude de saber-se em melhor situação. Daí a falta de tato quando ao invés de queixas o que se ouve é uma boa nova.

Depois de alguns tombos, fiquei mais atenta quando o assunto é separar o joio do trigo. Ficar ao lado quando tudo está uma merda, dependendo de quem se trate, é mais fácil do que assistir o sucesso do outro com sinceridade. Mal sabem eles, que é nesse momento que a mágica acontece: quando conseguimos curtir verdadeiramente - e não de fachada - as conquistas do amigo, a felicidade que vem do outro respinga na gente como chuva em terra seca. Nesses tempos de caos e individualismo acentuado, comemorar os progressos alheios é nada menos que uma dádiva. Então por que não usufruir?

Se amizade fosse um contrato, uma das cláusulas essenciais seria a promessa de afastar o egoísmo, a inveja e o despeito, vestindo a camisa e integrando a fiel torcida. Nesse ponto, lamento que alguns tenham esquecido o louvável hábito de criança: "Dar pezinho", sem medo, pro colega alcançar o topo de um muro. Mesmo sabendo que pode acabar sozinho do outro lado.  

A trena do sucesso não deve ter como parâmetro a proporção entre os graus de fracasso desse ou daquele. Todos são capazes de protagonizar sua própria história, cheia de altos e baixos, naturalmente. As trajetórias diferenciam-se por motivos justos, na maioria das vezes. 

Resto convencida de que comparar conquistas é pura perda de tempo. Por fim, se existisse uma ordem de provações no quesito amizade, poderia apostar que ficar ao lado do amigo quando a casa cai é a primeira etapa. Mas resistir à felicidade do outro com um sorriso sincero... esse sim É O VERDADEIRO DESAFIO. 

se gostou não esquece de curtir o texto e a fã page do blog ;)

3 comentários:

  1. Gostei muito texto e do estilo. Períodos adequados a quaisquer brônquios, com perfeito diapasão. Uma atenção apenas: é um texto perfeito para uma revista, haja vista suscitar gravuras nas conotações e desenvolver relatos paralelos sobre as faces da amizade. Parabéns. Amo lê-los.

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  2. Adorei o texto ♥
    é tão bom ter em quem confiar
    http://www.derepentenaotemidade.com/

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  3. É exatamente isso, Concordo com o Tiago, "é um texto perfeito para uma revista (...)" muito lindo.

    http://spacefashionista.blogspot.com.br/

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