Os problemas têm dois tamanhos: o real e o que a gente estabelece. Digo isso, porque depois de muitas andanças pelas psicólogas da vida, finalmente peguei o fio da meada. Eu era (e acidentalmente ainda sou as vezes) vítima de um mal pouco comentado: distorção cognitiva. Calma, não é doença. Em menor ou maior intensidade você também, muito provavelmente, já foi vítima de alguma dessas pequenas auto-armadilhas.
As distorções cognitivas são traiçoeiras. Acontecem quando, diante de um fato/situação, nos convencemos de algo ruim e inverídico acerca de nós mesmos. A sabotagem acontece de várias formas. Uma das mais recorrentes, é a maneira de pensar "tudo ou nada" (ou polarizada, dicotômica, 8 ou 80). Mais comum nos perfeccionistas, para a referida distorção, não existe meio termo. Diante da possibilidade de não obter êxito em determinada atividade, por exemplo, a criatura se vê encurralada por pensamentos cruéis, absolutos e depreciativos, do tipo "se eu não for um sucesso total, serei um fracasso". Vez ou outra flagrei esse tipo de pensamento nocivo infestando a minha mente. Acreditava, por exemplo, que se eu não passasse "de primeira" no exame de ordem seria, irremediavelmente, uma profissional fracassada ou medíocre.
Outra espécie recorrente de armadilha mental, é a "catastrofização". Quem aí nunca se pegou prevendo o futuro negativamente ou tirando conclusões completamente negativas e precipitadas? "Fulano não chegou, logo, deve ter acontecido algo ruim", "Meu namorado não respondeu o meu SMS, logo, deve estar com outra ou fazendo algo de errado", "Tudo parece muito bem demais agora, mas eu sei que em breve as coisas vão desandar". - E tome mais sofrimento antecipado.
Entre mais umas dezenas de distorções, uma bem recorrente é a "minimização" ou "desqualificação do positivo". Aqui, desvalorizamos as nossas qualidades ou bons acontecimentos e interpretamos a realidade - que devia parecer animadora - como "sorte" ou "acaso". Exemplifico: "Eu fui bem naquele projeto/prova, mas isso não significa que eu sou competente. Eu apenas tive sorte". É o cerceamento da auto-estima e do orgulho de nós mesmos. Simplesmente, as vezes, não nos permitimos comemorar uma vitória ou enxergar uma grande qualidade em decorrência dessa premissa equivocada.
Ignorando o fato de que, a essa altura, você já deve estar me achando uma louca (ops!, mais uma distorção), alerto que além desses, ainda existem vários outros equívocos que podemos criar quase inconscientemente. O texto ficaria imenso se eu me ativesse extensivamente à cada um deles. Mas não custa citar o "raciocínio emocional" (em que prevemos algo negativo, embasados, unicamente na sensação de "sentir" algo ruim, um mau pressentimento), o "pensamento mágico", (em que expectamos um resultado positivo - e sofremos - mesmo sem ter dedicado o esforço necessário para consegui-lo), o "estar sempre certo" (que dispensa comentários), a "rotulagem/etiquetagem" (em que generalizamos um erro e nos rotulamos negativamente em decorrência de uma situação: "eu sou burro" - por ter tirado uma nota baixa.) e a vitimização (nos sentimos vítimas atribuindo a outrem, frequentemente, a responsabilidade por nossas escolhas).
Sabe de uma coisa? Paguei um taxi caríssimo, fui ao aeroporto de mala e cuia e chegando lá, descobri que o voo era só no outro dia. Tirei 1,0 em uma prova de Direito do Trabalho que valia 10,0. Matei um gatinho sem querer. Deixei cair acidentalmente um quadro na cabeça do meu primo de 4 aninhos. Derrubei uma gaveta grande e pesada de madeira maciça no dedo machucado da minha prima. Esqueci de travar as portas do carro ao sair, em pleno centro da cidade. Cortei a minha própria franja e deu errado. Não me convidaram pra festa e tampouco fui eleita a "garota do fantástico".
Nada disso determina necessariamente o que eu sou ou serei. Pareço desastrada, mas sou extremamente habilidosa com alguns trabalhos manuais. Pareço burra às vezes, mas na verdade as notas baixas foram exceção. Matei o gato, mas estava tentando salva-lo do abandono e da fome. Deixei cair o quadro, mas estava tentando fazer uma cabana de lençóis para o meu primo ficar feliz. Derrubei a gaveta no dedo de minha pobre prima, mas segurei a mão dela na primeira obturação no dentista. Esqueci de travar as portas em pleno centro, mas felizmente, não aconteceu nada de ruim e fiquei mais atenta. Cortei a minha franja e embora tenha ficado horrível, ela cresceu rápido. Não me convidaram pra festa, mas o desapontamento me rendeu vários textos. Não fui eleita a "garota do fantástico", mas ultimamente, tenho me sentido uma das garotas mais privilegiadas do mundo.
Cortei algumas correntes. Agora estou bem mais livre. Finalmente os pensamentos negativos e medos carrascos liberaram a tão esperada carta de alforria que eu precisava pra seguir a vida. Segui. O destino ainda é uma mancha turva. Mas é um borrão colorido e surpreendente. É nisso que vou me concentrar. Estava, até pouco tempo, mentalmente sentada sobre as malas, à margem de uma estada deserta e desconhecida. Um caminhão passou, criei coragem, e acenei com a mão em direção ao infinito.
E as portas do futuro se abriram. Finalmente.
Alice: - Chapeleiro, você me acha louca?
Chapeleiro: - Você é louca, louquinha! Mas vou te contar um segredo: as melhores pessoas são.
(Alice no país das maravilhas/Lewis Carroll)
Adorei o post! Aliás,o blog. =) Estou seguindo.
ResponderExcluirO meu é http://experimentoeocio.blogspot.com.br/