Não tem remédio

Naquele dia, tinha acordado em agonia. Não sabia o que era aquilo. Os lençóis encharcados, o corpo quente e arrepios contínuos que percorriam cada centímetro de carne doída. As lágrimas rolavam-lhe o rosto, juntando-se ao suor das fronhas. A boca seca, balbuciava um apelo, tentava um grito: mas a voz não saía. 

Tateou o criado mudo, em busca de algo que acalmasse. Viu uma flor murcha jazendo solene num copo de vidro. Esbarrou, sem querer, no telefone. Ouviu o estatelar de peças no chão, mas seria incapaz, naquele momento, de reunir a força necessária para juntar os cacos. Pensou que só um remédio daria jeito naquela situação. Rezou baixinho e desejou silenciosamente que a panaceia se materializasse ali, no meio dos lençóis.  

Lembrou da segunda gaveta: costumava guardar toda espécie de cura ali. Um maço de cigarros, um antigo preservativo sabor uva, uma pomada para aftas quase no fim e fones de ouvido do Paraguai. Remexeu por entre os incensos e essências aromáticas. Afastou um isqueiro, e num forte suspiro conseguiu impulso para avançar em direção à pequena caixinha de madeira, no fundo da gaveta. O sacrifício valeria a pena, esperançou. 



Posicionou a pequena caixa sobre a própria barriga e pôs-se a procurar o bendito. Eram dezenas de cartelas coloridas, algumas quase vazias e amassadas. Passaram-se muitos minutos, e já desesperançosa, concluindo que a busca era inútil, jogou de lado sua última esperança. Começava a sentir fortes dores e irregulares palpitações no coração.

Permitiu-se  mais algumas lágrimas, que rapidamente lavaram-lhe bochechas pálidas. Se deu conta de que naquele dia e nos próximos que se seguiam, teria que suportar a barra sozinha. Nada de remédios, muletas... ou alguém disposto dormir do outro lado da cama. 

Avistou um papel dobrado que escapara-lhe por entre os comprimidos. Abriu, o que parecia ser uma antiga receita médica. Mas era um bilhete escrito à próprio punho, datado da noite anterior.

(Clique em "Mais informações" para continuar lendo)


   Tenho certeza que amanhã tentará enganar a si mesma no despertar diário e quase irracional das tuas dores. Mas não custa lembrar pela enésima vez: Embora não goste de admitir, o remédio não está na caixa. Nem estará. 

Amor é Doril, Marília. Sumiu.
Sempre acaba quando mais parecemos precisar.
.
Levante e trate de tomar um banho bem demorado.
Coragem.




Um comentário:

diga aí

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...