Nunca me explicaram o preço do conhecimento, mas disseram que era uma espécie de poder. O Tio Ben (tio do homem aranha) bem que advertiu "Grandes poderes trazem grandes responsabilidades" . Mas não alertaram de verdade sobre os riscos do mundo globalizado. Cresci sem saber de muita coisa. Era restrita ao Jornal Nacional, revistas de grande circulação e alguns jornais impressos. Não me explicaram que o pior, na maioria das vezes não é noticiado. A notícia fatalmente dura, por ser absurdamente constante, deixou de ser novidade e é silenciosamente compartimentada na pastinha da "realidade". O caso é que o corriqueiro não rende manchetes certeiras ou chamadas interessantes na TV. A palavra é vendida e comprada e a informação obedece à cartilha do mercado, que prefere consumir o sensacionalismo.
Com a internet e sua maior liberdade e variedade de conteúdos a coisa ficou difícil. Eu bem que suspeitei, ainda inocente, que aquele lamento de Drummond cedo ou tarde bateria certeiro "Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo". E agora cá estou, alfabetizada, vacinada, criada, estudada, versada em letras e até em algumas leis: mas impotente diante da desesperadora e grandiosa vida real. Giro insistentemente pelos lençóis, afofo inutilmente os travesseiros. O sono não chega por lembrar acidentalmente de todo o resto. De toda a humanidade triste, pobre, doente, explorada, injustiçada, sofrida e indesejável, obviamente, aos sonhos coloridos e doces da madrugada. A bola da vez é a da sutil conservação da postura alheia e descompromissada, quando o assunto é agir de fato e não de click.
Em meu mundo de "Jogo da Vida", girava a roleta, acumulava fortuna e avançava com o meu carrinho rosa, cheio de pinos rumo à felicidade. Mas o maior prazer, meu e de minhas amigas, era decidirmos, no final da brincadeira o que faríamos com tantos milhões acumulados em notas azuis, amarelas, brancas, verdes e rosas. Era o nosso momento fictício de fazer alguma diferença no mundo. Nos divertíamos doando com prazer milhares ou até milhões para obras de caridade, hospitais, crianças carentes e parentes mais necessitados. Era o nosso jeito de ensaiar a consciência de mundo. Era o que tínhamos por certo que faríamos, caso, acidentalmente, nos tornássemos herdeiras ou empresárias da estirpe de "Eike Batista".
Perguntei à minha mãe, principal responsável por minha estadia no mundo, qual seria o sentido daquilo tudo: Nascer, viver e morrer em nossos casulos ou casas feitas à mão e encharcadas do suor alheio, pertencente à quem provavelmente jamais poderá habitar ou usufruir daquele conforto. Perguntei como dormir pensando naquilo. Como fechar os olhos sem nenhuma preocupação sabendo das atrocidades espalhadas - ou não - pelas redes de informação e comunicação. Sim, porque até a minha anestesiante alienação tiraram: me fizeram aprender a interpretar além das entrelinhas. Ensinaram-me a relacionar coisas, ver e sentir além do que era dito. E pra que? Ela não soube responder.
Resto acometida por vergonha e ansiedade. Vergonha da inércia, ansiedade por um sentimento de utilidade e responsabilidade diante das dores, diante de tudo. O peito aperta e desabafo, talvez sem coerência em plena madrugada. Mas essa noite molhei os travesseiros com a dor do mundo e ainda assim foi pouco. Minhas lágrimas não matam a sede dos desesperados. Os meus lamentos não devolvem a dignidade de ninguém. Os meros compartilhamentos e curtidas nas redes sociais, já quase automáticos, nada mais são do que gestos confortavelmente hipócritas e ocasionalmente inúteis. Somos a geração das bandeiras erguidas, porém estáticas, fincadas no comodismo.
Parafraseio, mais uma vez, o nosso Poeta do mundo caduco: "Estúpido, ridículo e frágil é meu coração. Só agora descubro como é triste ignorar certas coisas". Mas admito, ainda tomando por empréstimo as suas célebres palavras e derrotada quem sabe apenas por enquanto: "Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo. (...) preciso de todos.". Precisamos.
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À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. (Carlos Drummond de Andrade in "Consolo na praia") |
Créditos
* fotografia 1: http://info.abril.com.br
* fotografia 2: http://nossabrasilidade.com.br/
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