Amar go: o amor tem suas lástimas



* um texto de Raphael Barbosa

Outro dia avistei minha psicanalista no shopping. Ensaiados: ela profissionalmente aguardou meu cumprimento, eu fingi não tê-la visto. Há muito parei de visitá-la e vivo pensando que tenho mil coisas para contar. A ideia constante de fazer essa estranha parte importante da minha vida e a par das coisas que tenho de dividir com alguém me irrita um pouco. Sério! O encontro inesperado fez meu coração já acelerado querer bater baixinho, discreto – temor de ser perscrutado, na certa. Ah, se ela soubesse que tenho feito tudo às avessas.

Um amigo psicólogo disse-me que ter receio de assustar ou magoar a nossa psicanalista faz parte do processo de “transferência”, necessário à evolução do tratamento. O fato é que demorei sentar no divã (nível alto de loucura ou baixo de confiança) e pouco tempo depois de desfrutar da pompa do valoroso móvel, a porra do plano de saúde deixou de cobrir minhas sessões. Talvez essa seja minha desculpa “inconsciente” por eu abandonar a busca pela minha sanidade mental, melhor, meu equilíbrio mental. Pulei da transferência para a resistência, em dois tempos. A loucura? Persistiu.

Low cura. É disto que sofro, baixa cura e alta enfermidade. Será? Toda loucura é fruto do amor. E não duvide nunca, o amor tem sim suas lástimas. Alguns dirão que a loucura provém da dor, mas dor é amor ausente. Não é preciso crescer tanto ou carregar incontáveis cicatrizes para saber que “dividir-se em alguém” machuca e muito, às vezes – na maioria delas. 

A vida inteira nós ensaiamos o encontro com o outro. Esperamos desse alguém o afago perfeito, o encaixe dos abraços nus, o gozo sempre alcançado, a saudade que preenche etc. Esquecemo-nos, no entanto, de esperar pelo mau humor e mau hálito matinais, pela roupa íntima costumeira e puída do tempo, pelo cuidado exigido na hora da febre, pelo mal venéreo compartilhado (por que não?), pela co-dependência constituída, pelo ciúme que violenta verbal e “não-verbalmente”, pelo borrão do “traço poligâmico”, pela possibilidade de novo sonho, pela necessidade do fim... Um hiato relacional, uma pausa para organizar as ideias, esfriar a cuca, por os pingos nos “iis”. O casal não sobreviveu ao lastimável amor, desejou retrospectiva na paixão. No way, honey! It’s impossible. Amar é seguir. Go!

Uma amiga jornalista, por isso mesmo vítima inevitável da psicanálise, contou-me que há pouco mais de um ano, quando começou seu tratamento, era reduzido o número de casais em terapia. Segundo ela, hoje casais variados aparecem lado a lado na sala de espera, ansiosos por ajustar as engrenagens do amor. Do simples lapso de manter tudo fora do lugar ao flagrante de outra pessoa em seu ninho de amor, é provável que seu “bem querer” já te aborreceu. 

Vocês deram um tempo, você voltou a morar por uns dias na casa de seus pais, levou o filho consigo. E agora o que fazer? Então, você pensa não haver motivos para irritar-se com o modo como ele acaricia sua pele e como mastiga de boca aberta nas refeições. Esses detalhes lhe repugnam e ele era perfeito? Sei. Sabe aquela ambrosia divina que a sua avó faz, em que vez em quando você morde pedacinhos crocantes? Ela açucarou. O amor também açucara. Acontece. Sem receita tudo é passível de falhar. E quando falha, claro, doe. Soa como tempo desperdiçado à beira do fogão, desperdício ainda de ingredientes. Sem contar que o doce mofa na geladeira. Não dá vontade de comer!

Francamente, se eu tivesse um quadro clínico de concatenação normal, era bem capaz de dar a você um bom conselho. Como parei com a coisa toda das análises, e continuei dependente de contar minhas versões das histórias, é que estou aqui fazendo terapia em grupo. Dizem que é bom porque você aprende com as histórias dos outros, aprende que não é só você que tem problemas e no fim das contas, talvez, a merda da sua vida possa ensinar algo a alguém. Vai saber. Bom, se você tem saco pra me ouvir, espero nos encontrarmos na sessão que vem. Valeu! Ah, na presa não me apresentei. Chamo-me Marciano... Não ria! Garanto que sou terráqueo.

P.S.: SE ESTIVER AMARGO É HORA DE PARTIR, ESSE É O CONSELHO. O DOCE TRAVOSO TAMBÉM NÃO É BOM.


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Olá! Eu sou o Raphael, conhecido por alguns como PH. Gosto desse apelido! Sou Comunicólogo pela Estadual da Bahia, sou bebum de fim de semana pela vida e pelas más companhias, sou aficionado em música brasileira e romance português. Adoro a vida alheia - daí eu gostar de escrever. Fã número 1 da Legião Urbana! Eterno moleque.

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