Certa feita, tive raiva de uma prima. Pensei em uma maneira rápida e prática de elimina-la. Eliminar pra valer... do tipo 'matar' mesmo. Eu ainda não sabia que tirar a vida de outrem era crime, tampouco que era cruel. Decisão tomada, procurei no quintal de minha avó - cheio de ervas e terra molhada com xixi de cachorro - um veneno letal, que fosse suficiente para cumprir o meu intento.
Ingredientes:
* 1 tampinha de adoçante encontrada no chão: para servir de copo, já que existiam 'bichinhos' invisíveis na terra e minha mãe sempre advertira com muita intensidade sobre não colocar na boca objetos encontrados no chão. Aquilo só podia mesmo ser muito mortal.
* Água da torneira: Tinha aprendido desde que nasci os dentes que deveria beber água do filtro de barro, sempre que sentisse sede em meio às brincadeiras no quintal. Não deveria jamais cair na tentação de beber água da mangueira despreocupadamente, como meus primos faziam. A água 'salobra' fazia muito mal, isso era o que eu tinha certeza.
* Areia: Era aonde pisávamos. Nós, o cachorro, as galinhas e todos os bichos do quintal. Era nela que meus primos faziam xixi com suas torneirinhas (que eu não tinha, infelizmente, e precisava suportar os momentos em que me faziam inveja, gabando-se sempre da capacidade de mirar). O fato é que areia pra mim, se ingerida, era praticamente o pó da morte.
* Folhas desconhecidas: Essas eram um capítulo a parte. No quintal imenso da minha avó poderia encontrar as mais variadas ervas curativas, fruteiras e até um pé de alfazema, o meu preferido. Gostava de tirar uma folhinha de vez em quando, amassar entre os dedos e sentir o aroma. Uma vez até tentei misturar com álcool e fazer perfume, mas não deu muito certo. Enfim. Para a receita resolvi pegar um mato do chão. Algo que não tivesse aparência de comestível, só pra dar uma incrementada.
Modo de preparo:
Pegue a tampinha de adoçante do chão, não lave, e acrescente água da torneira. Depois adicione uma pitada de terra e reserve. Em outro recipiente macere um punhado de mato e junte à mistura. Mecha com um graveto e voi la: Está pronto o seu veneno mortal.
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Logo depois de fazer o veneno, só faltava um detalhe para concretizar o tal plano maligno: ofertei à pobre prima, com requintes de crueldade, o tal copinho, preenchido com as coisas que eu considerava mais prejudiciais em todo o universo. Ela bebeu sem pestanejar - danada, que era -, e aguardei ansiosamente pela morte instantânea. Olhei, olhei, e ela jogou o copinho no chão, virando as costas como se nada tivesse acontecido. Continuou a
Não, minha prima não tinha me feito nada demais. Apenas não gostava de conviver com ela. Ainda não tinha aprendido as leis da sobrevivência criadas pela sociedade. Meu instintinho de descendente de mulher-da-pedra me dizia que era melhor eliminar quem não era fácil e tinha chegado depois na jogada.
Seria esse o prenúncio de um coraçãozinho maligno que viria a se formar? Seria leviano afirmar, se levarmos em conta que eu tinha apenas 5 anos de idade. Época em que crianças fazem as mais variadas peripécias por não saberem o significado da palavrinha amarga chamada 'consequência'.
Até que não fui uma menina cruel. Nunca pratiquei bullyng, gastava horas tentando ajudar passarinhos com a asa quebrada, ou tentando descobrir um antídoto mágico e nutritivo para as formigas não precisarem trabalhar tanto para se alimentarem. Muitas vezes me peguei catando farelos, e jogando-os direto no formigueiro, para aliviar a barra das pobres coitadas, já que percebia que meu antídoto contra a fome não parecia funcionar muito. Elas insistiam em desfilar compulsivamente pelo quintal carregando folhas 5 vezes maiores que aqueles corpinhos esquálidos. Foi ai que desisti, e as formiguinhas me ensinaram a primeira lição de vida: não podemos mudar a essência de ninguém. Nem mesmo a delas, tão pequenas.
O quintal era o meu palco e minha escola. Ali confeccionei venenos e antídotos, pesticidas e unguentos, casas na árvore, balanços de palha de coqueiro e comidinhas de mentira. Ali casei com anel de chiclete e tiara de flor de laranjeira, tentei aprender a fazer xixi com mira, fiz bolinhos de terra e confeitei-os, usando como forma uma embalagem de margarina vazia, fiz bolhinhas de sabão usando os caules de plantas como canudo, tomei banho no tanque (e peguei hepatite), subi em árvores, em muros, corri de cachorros bravos.
Com o tempo, aprendi que ousar provar algo novo - e muitas vezes seria obrigada a experimentar - de de vez em quando não matava, que eu jamais teria torneirinhas de xixi, e que nenhum brinquedo de plástico era necessário enquanto eu tivesse todo aquele quintal imenso, do tamanho dos meus sonhos.
Tomei coragem e comi folhas do pé de seriguela, sem lavar. ' O que não mata, engorda.', um primo dizia enquanto engolia algumas minhocas. E entendi - sem precisar provar das minhocas - Que aquilo que não matava, fortalecia - na maioria das vezes. Minha prima do veneno e o das minhocas estão vivos, saudáveis e fortes. E eu também, apesar de tudo o que tive e tenho que engolir até hoje.
Seria esse o prenúncio de um coraçãozinho maligno que viria a se formar? Seria leviano afirmar, se levarmos em conta que eu tinha apenas 5 anos de idade. Época em que crianças fazem as mais variadas peripécias por não saberem o significado da palavrinha amarga chamada 'consequência'.
Até que não fui uma menina cruel. Nunca pratiquei bullyng, gastava horas tentando ajudar passarinhos com a asa quebrada, ou tentando descobrir um antídoto mágico e nutritivo para as formigas não precisarem trabalhar tanto para se alimentarem. Muitas vezes me peguei catando farelos, e jogando-os direto no formigueiro, para aliviar a barra das pobres coitadas, já que percebia que meu antídoto contra a fome não parecia funcionar muito. Elas insistiam em desfilar compulsivamente pelo quintal carregando folhas 5 vezes maiores que aqueles corpinhos esquálidos. Foi ai que desisti, e as formiguinhas me ensinaram a primeira lição de vida: não podemos mudar a essência de ninguém. Nem mesmo a delas, tão pequenas.
O quintal era o meu palco e minha escola. Ali confeccionei venenos e antídotos, pesticidas e unguentos, casas na árvore, balanços de palha de coqueiro e comidinhas de mentira. Ali casei com anel de chiclete e tiara de flor de laranjeira, tentei aprender a fazer xixi com mira, fiz bolinhos de terra e confeitei-os, usando como forma uma embalagem de margarina vazia, fiz bolhinhas de sabão usando os caules de plantas como canudo, tomei banho no tanque (e peguei hepatite), subi em árvores, em muros, corri de cachorros bravos.
Com o tempo, aprendi que ousar provar algo novo - e muitas vezes seria obrigada a experimentar - de de vez em quando não matava, que eu jamais teria torneirinhas de xixi, e que nenhum brinquedo de plástico era necessário enquanto eu tivesse todo aquele quintal imenso, do tamanho dos meus sonhos.
Tomei coragem e comi folhas do pé de seriguela, sem lavar. ' O que não mata, engorda.', um primo dizia enquanto engolia algumas minhocas. E entendi - sem precisar provar das minhocas - Que aquilo que não matava, fortalecia - na maioria das vezes. Minha prima do veneno e o das minhocas estão vivos, saudáveis e fortes. E eu também, apesar de tudo o que tive e tenho que engolir até hoje.
Imperdívis. Hahahaha
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