Meu incomum aniversário.


Não, aquele não tinha sido o aniversário dos sonhos. A pouca animação ao pensar na data, uma constante desde os 18 anos, aliada a uma série de acontecimentos horríveis, marcariam o que poderia, para os pessimistas, representar a pior primavera de toda uma vida regada de outros tão festivos bolos coloridos.

Dessa vez, o glacê endureceria na sala vazia. Docinhos e salgados permaneceriam encobertos pelo mistério do papel alumínio - único a reluzir em meio à completa escuridão do cômodo -. Nada de bolas coloridas, risos, música, tilintar de talheres ou alegria: a comemoração tão esperada fora adiada por um plano maligno, friamente articulado entre veias, músculos e aortas pertencentes ao organizador do evento: meu pai.

Se tem uma coisa que nunca faltou ao velho foi saúde. Caminhadas matutinas, com frequência quase religiosa,    seguidas de um café da manhã regado a mel de abelhas, milk shake light de morango, e torradas. Exibia, gabola, disposição que muitos garotos de 20 não poderiam alcançar.

Mas o tempo é justo, e cedo ou tarde acerta as contas: era chegada a hora de pagar pelas bodas de ouro do cigarrinho no bolso da frente da camisa. É... meu quase invencível pai sofreu um infarto - no dia em que celebraríamos, em família, os meus 23 anos.

A cabeça ainda dói em meio ao turbilhão de acontecimentos dos últimos dias. Incessantes ligações de familiares preocupados e a agonia de ver tudo ao redor desmoronar: pessoas e planos, sobretudo. E aí vêm a lembrança clara de ter dito há poucos meses: - pai, seria bom consultar um cardiologista: com idade não se brinca!. Mas ele não ouviu. E me pergunto como seria bom se ouvíssemos mais.

Cercado de acontecimentos tristes, esse meu aniversário trouxe à tona algo importante. Diria até que inaugurou uma nova etapa: aquela em que deixamos de ser filhos.  Filhos, no sentido protetivo da palavra. Nessa fase, a família se homogeniza e passa a ser um todo solidário, uma cooperativa. Uns protegendo os outros, igualmente. É o instinto de sobrevivência.

Descobri que a família é como uma cadeira. E a minha tem três pernas. Uma capengou e as outras tentaram desesperadamente manter o equilíbrio. Mas como era de se esperar, não conseguimos ser firmes em tempo integral: fomos acometidas - eu e minha mãe - por crises de stress e enxaqueca. Tomamos injeções, enquanto meu pai convalescia em outro não tão distante leito hospitalar. O medo de perder assusta e desespera.

Sofrimento à parte, nem só de trevas foram os últimos dias. Recebi muito amor, carinho e atenção dos próximos. Mensagens de solidariedade, ligações e até um primeiro "Te amo" todo especial. Experimentei dor e alegria numa mistura confusa. E até me permiti algumas doses de beijos e abraços quando o mar estava mais calmo.

Meu pai está bem, por hora. Envolto em teimosias, seleciona as recomendações médicas que deseja seguir. As outras, finge que não existem: prefere viver num mundo imaginário onde cigarrinhos acompanhados de uma boa xícara de café feito na hora são aperitivos inofensivos. E não seria feliz de outro jeito: o velho é escravo dos próprios desejos, um hedonista típico. Eu mais que ninguém entendo, visto que - feliz ou infelizmente - herdei a característica. Deleites a parte, a consciência é plena: Alguns prazeres ferem, e muito. Dessa vez, fomos todos as presas. Massacre emocional e físico.




Um comentário:

  1. Pow Liuh, não fazia a menor ideia (sem acento, aff) do que havia acontecido!!! E o pior, nem sequer uma mensagem te mandei em teu aniversario!!!

    Que bom que as coisas jah estao melhores!!!

    Bjao moça
    E feliz aniversario atrasado!!
    (Estamos ficando realmente velhos!!! =/.)

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