"Na moral"

Precisaria, o ser humano de permissão para momentos de loucura? Porque tão mais forte que a ressaca física é a moral? hoje acordei com esse questionamento. Tão fácil discernir e até julgar pessoas e situações. Difícil mesmo, tentar entende-las, ser mais que companhia ou expectador: alguém atuante. 

No teatro, o elenco possui o hábito de ler todo o texto nos ensaios. Num dado momento, ocorre a troca de personagens, para que cada um capte o "espírito da coisa" em sua totalidade. No esperado dia da estréia, cenário armado, público à postos e texto na ponta da língua, os atores tomam a cena e fazem o espetáculo. Detalhe: nem sempre sai tudo como planejado. Se um dos atores esquece uma fala ou mesmo pula uma passagem importante e até diz coisas sem sentido, o companheiro de palco trata logo de contornar a situação. Afinal, fora condicionado a isso desde o início. Não há julgamento ou críticas, porquanto o erro é visto com naturalidade.

Mas não é o que vemos no drama diário, não é mesmo? às vezes a impressão que fica é a de que os "atores "estão torcendo para que de fato alguém "quebre a perna". Quem libera as suas emoções e erra a dose é visto com certo desprezo por uma sociedade de sentimentos reprimidos: amores, ódios e medos velados. 

É aí aonde o álcool exerce papel decisivo.  Conhecido como  um dos melhores 'desinibidores' - quem nunca ouviu a expressão ' a bebida entra e a verdade sai '? -  é 'vilão' ou 'mocinho'  da trama, dependo do ponto de vista. Mas vem cá: no fundo não somos todos - admiráveis ou reprováveis - meros personagens? 

Todo esse "arrodeio" pra dizer que apesar das retaliações e olhares de reprovação ou lamento, e até do sentimento de culpa pelo qual sou acometida em algumas manhãs-pós-farra, sinto que todos são detentores de uma 'licença poética' perfeitamente plausível, posto que, se "sentir" for loucura nos dias de hoje, sou uma candidata voluntária ao manicômio.

Devo ser louca, mesmo. Preciso admitir que me acho poeticamente bonita ao acordar com os olhos borrados e as imperfeições descobertas. Sequer os cabelos desgrenhados ou as unhas com esmalte lascado têm o condão de retirar a sensação tão glamurosa do momento "contemplação matinal". 

E tem mais: quando, nessa encarnação, eu teria coragem de andar descalça na rua vazia em plena chuva? Impagável a sensação de liberdade: a água aparentemente limpa escorrendo pelas calçadas lavando os meus pés cansados e doídos de festa. Cansados de andar errado, por caminhos equivocados, usando os melhores pares de sapatos. Eu estava apenas indo pra casa: descalça, humilde e de alma lavada. Que de errado poderia ter nisso?

Mesmo com a capacidade de cognição alterada - talvez ainda mais apurada -, pude notar na festa de ontem, que como eu, muitos estavam liberando os seus sentimentos mais íntimos. Um menino, sem vergonha alguma de todos os estudantes que estavam no local ia e vinha alegremente num daqueles balanços de criança. Uma moça dançava até o suor pingar. Eu, finalmente conseguia sorrir e ser simpática com estranhos! tudo parecia um sonho, não fosse a música péssima e as latinhas e copos descartáveis espalhados pelo chão.

Agora se as emoções doem ou são impróprias para o momento, aí já é outro departamento. Numa peça teatral precisamos ter cuidado para não machucar de verdade o elenco. Nada de violência física ou emocional. Mas asseguro: alguns excessos são compreensíveis e aceitáveis. Verdades ditas na hora  menos provável e simples atos não estão livres de suspeitas: podem causar dor, medo e alegria. Mas quem somos nós para escrevermos, imunes à erros, o roteiro da vida? Também é bonito chorar, também é bonito sofrer. também é bonito perder. As melhores ficções sãos as regadas à risos e lágrimas. Então não me venha agora falar de regras: erro querendo acertar. E vou tentando, tentando, tentando...

  • Me leu:



"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada." 
(Clarice Lispector)




3 comentários:

  1. Nunca mais tinha acessado teu blog...
    Foi muito bom ter encontrado de cara esse texto!

    Abraço!

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  2. Escelente texto,Lívia!
    Fiquei muito satisfeita com essa leitura e descrição do "sentir".
    Às vezes,só cometendo erros-não artificiais,e sim,naturais-é que,de fato,somos capazes de identificar o que nos parece realmente compatível e "liberal".

    Parabéns :)

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