"Nesse momento, tive os pensamentos interrompidos por minha mãe, que ansiosa me apressou: - ande, prove logo! E aí o medo aumentou. Não fazia muito tempo que minha querida e amada mãezinha havia me induzido a tomar de uma só vez um copo cheio de "emulsão de scott" (um composto de vitaminas e óleo de fígado de bacalhau bem tradicional, que os pais dão pra criancinhas que consideram magras) dizendo ser "vitamina de banana, mas com gosto de framboesa".

Legal. Tinham esquecido de me avisar que morango era bonito e vermelho mas não era doce. O açúcar que ficasse por nossa conta. O contrair das sobrancelhas denunciava: o gostinho azedo não estava agradando.
Não pude deixar de notar o ar de decepção de minha pobre mãe, ao constatar que eu estava notavelmente frustrada. E foi aí que reparei: quer sentimento mais doce do que o que a fizera me trazer morangos naquela tarde?
Foi quando a pobrezinha já em tom de conformismo indagou: "-Não gostou não, né?" e eu respondi "- meio azedo, mas é gostoso!". Não lembro qual foi a segunda vez que comi morango. Só lembro que não desejei a frutinha por muitos e muitos anos. Hoje em dia, adoro comer com leite condensado ou chocolate. O que sei, é que o morango da infância era açucarado. Mas este era inventado. Morangos são azedos: fato. O doce é por nossa conta.
“Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.” (Caio Fernando Abreu)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
diga aí