Era uma cesta de cajus maduros recém colhidos. Da fina casca dos suculentos frutos algumas pequenas gotículas brotavam, de certo, por conta do choque com o ar. O bule chacoalhava no fogão antigo e a tampa trêmula, subindo e descendo, tecia sons por toda a cozinha. O jornal ,por sobre a simples mesa, tinha um carimbo redondo de café: esquecera mais uma vez a xícara a repousar-se em notícias. O fino aroma de bolo de laranja recendia ainda quente. E era de se fechar os olhos a sensação que a massa macia causava ao derreter na boca antes de encontrar os dentes.
Os ovos eram frescos: retirados ainda a pouco das galinhas de quintal empoeirado. A gema amarelo-vivo reluzia misteriosa em seu creme, envolta em claras postas quase em neve ou nuvem. O cordão de alhos rechonchudos pendurados na parede gasta, lembravam que dali a alguns instantes já seria tempo de pensar no almoço. Mas não queria pensar, a moça, em seus afazeres cotidianos. Brincava de sentir os cheiros quentes e as pontadinhas em baixo da língua, seguidas de água na boca a todo instante. Encostava no fogão e tirava a água do fogo. Logo refrescava o ventre na grande pia de fora: adorava lavar os pratos, observando as alvas roupas exalantes de aromas florais, enquanto adormeciam e tomavam sol no varal. O vento balançava os lençóis azuis em ondas ritmadas, dando lembrança de mar.
Com as mãos nas asas do velho regador de lata, embebedava as plantas verdosas, e notava o quão estavam sedentas, pela voracidade com que a terra morena chupava toda a água. Descia a ladeira do próprio quintal, enquanto checava o progresso das rubras pimenteiras, já pesadas, fartas de dedinhos de moça. Destacava um galho de alfazema e continuava a percorrer os canteiros, enquanto amassava as folhas cheirosas entre os dedos e aproximando-as do nariz via que enternecia a manhã.
Ouvia distante o grito da avó baixinha e rechonchuda. Entendera o recado: já era tempo de colher as seriguelas já inchadas, coradas e pendentes. Ia retirando quantas conseguisse de uma vez só.Frequentemente desviava algumas da cesta e saboreava de forma lenta, até fazer de bala o caroço. Corada do sol da manhã voltava à cozinha e sentava na cadeira mais próxima para ouvir os relatos da velha senhora, empunhadora de faca amolada, com a qual desferia golpes num ramo de coentro como ninguém. Praticava malabarismo com os limões e sorria. Cedo ou tarde caíam todos, rolando para os mais estreitos lugares. Recebia uma bronca-piada da avó e aquietava-se, caminhando ofegante para o banheiro de bidê e flores.
Aplicava uma boa conta de shampoo de camomila nos cabelos, ativando o pensamento em pontas de dedos e espumas. Secaria as madeixas ao vento e mais tarde ficaria de cócoras entre as pernas da avó. Sentada numa cadeira macia, a experiente senhora faria-lhe uma trança: simples trama, completa felicidade.
Conto contado, traçado e trançado com simples e belas lembranças! Lindo, lindo! E devo confessar que esse seu lado meio Telliano me enche os olhos e alma.
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