O céu ao invés de preto, estava cinza. Não se viam estrelas: era uma das raras noites de chuva. O couro gélido da sandália jamais seria o mesmo depois de toda aquela lama. O cabelo molhado colado ao rosto e uma gota preta do rímel escorria fazendo piruetas, formando desenhos psicodélicos na face pálida. Tinha esquecido como é ser mulherzinha. O salto alto, o guarda-chuva e aquela tempestade tinham um quê romântico. Romântico não do tipo acompanhada, mas do tipo sozinha, elegante e bem-resolvida, sabe?
Subo as escadas como se alguém estivesse olhando. Altiva, passo firme e um leve esforço para mover ombros e quadris com uma certa fineza. Ao cruzar a porta, surpresa: uma goteira e a lâmpada da sala queimada. Tiro os sapatos encharcados, deixando de lado a feminilidade forçada dos últimos 10 minutos. Tento apertar a lâmpada, pra ver se pega no tranco, sabe? Fracasso. Pras gotas que teimavam em cair do teto, bacia.
Flashes e mais flashes. Sem câmeras, só relâmpagos claros e silenciosos. Não podia deixar de ver a beleza em tudo aquilo. Como eram belas, as noites sombrias, chuvosas e frias. Faltou algo quente, para beber numa uma caneca bem grande enquanto assistia a um bom filme, vestindo as minhas pantufas de ratinhos.
Ao contrário da maioria, sol, verão e céu azul não eram os campeões de boas recordações na minha vidinha. As tempestades sim, embalaram muitos dos meus melhores momentos. Provas de junho na escola, por exemplo. Era a melhor época do ano. A molecada reunida na praça, depois da escola, em plena garoa. Casacos coloridos enfeitavam aquelas fardas pálidas e iguais. E ficávamos pensando em forró, rindo e fazendo novas amizades. Sempre aparecia um hippie, um skatista ou um bêbado pra puxar conversa e incrementar os papos pré-adolescentes. Adorávamos isso. Depois, devorávamos churros quentinhos cheios de leite condensado, e a manhã sempre terminava com um toró daqueles.
01:30. É madrugada e não quero dormir. Não é falta de sono, certeza. Nem falta do que fazer amanhã, quem dera. É medo. O frio fecha os poros e sinto estar mais íntima de mim mesma. O calor e a aridez, não sei o porquê, ainda geram um certo estranhamento.
‘E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
É doce herança itabirana.’
É doce herança itabirana.’
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