Um aplicativo para solidão


Esses dias notei um burburinho no trabalho. As meninas deslizavam os dedos insistentemente sob as telas dos smartphones. Eram risinhos abafados por todos os lados. Mas o que tanto viam? -pensava com meus botões. Uma delas fez o favor de matar a minha curiosidade: É o Tinder! Um aplicativo em que você pode escolher um cara que tenha tudo a ver com você com apenas um gesto - explicou. 

Parei por um segundo: teriam os aplicativos, afinal, extrapolado a categoria dos joguinhos inofensivos para inaugurarem os escancarados jogos sentimentais? Me disseram que funciona. A paquera rola solta. Bastam dois "ok's" (o seu e o dele) para que o papo seja autorizado. É o ápice da praticidade amorosa, sem o menor ressentimento. 

Os feios não têm vez. Afinal, para que gastar o seu precioso tempo com alguém que não encante os olhos logo de cara? É absurdo. Me pergunto quantas vezes - na vida real, no tempo em que os celulares serviam para, no máximo, trocar sms's e ligações - já me vi apaixonada por caras feios e nem por isso menos encantadores. Era o jeitinho de sorrir, a conversa, a forma de pegar na mão ou de abraçar que encantava. Agora descartamos ou aceitamos sem pudor: eu mesma - admito, acabo de bloquear um rapaz esquisito que paquerei por engano. 

Os que me corresponderam tentam puxar papo. Mas a culpa por escolher alguém numa fração de segundo ainda me impede de interagir. Gastamos mais tempo na escolha de uma blusa no cabide de manhã do que para deixarmos um completo estranho fazer parte da nossa vida. Afinal, que raios de mundo é esse?

Cedi ao Whatsapp e até escrevi um texto aqui naquela ocasião. Ainda assim, me perdoem os moderninhos, estou longe de encarar com naturalidade algumas das formas de interação que parecem se propagar de maneira irreversível. Sou irremediavelmente adepta das formas mais espontâneas de flerte. Que a aproximação se dê, num primeiro momento, em virtude da simpatia com a aparência do outro eu não condeno. Mas que exista um aplicativo onde possamos ter uma lista com 20, 30, 50...100 "flertes", ainda parece inadmissível pra minha cabecinha anos 90. 

Gosto que seja especial, com calma e sutileza - quase por acaso. A solidão, afinal, não soa tão indesejável quanto parece. Até o momento prefiro manter a minha intacta, do lado de cá. Sedutores ou não, esses aplicativos que encurtam - excessivamente, diga-se de passagem - o caminho da conquista, não fazem a minha cabeça. 

Se um ritmo cada vez mais acelerado - quase vertiginoso - se impõe no mundo dos relacionamentos, peço licença para parafrasear Lenine e dizer que  "me recuso, faço hora, vou na valsa". Me deixem com meu apego bobo ao lento e quase sublime ritual de me encantar. Quero algo além de uma fotografia estrategicamente escolhida para impressionar. Será ainda possível?
 Alea Jacta est.

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