Quem inventou a zona limítrofe entre adolescência e fase adulta estava redondamente equivocado. O direito, do auge de sua prepotência, decidiu que a maioridade seria alcançada aos 18. Aí veio algum engraçadinho e disse que assoprar as inocentes velinhas "1" e "8" significava que já éramos gente-grande. Mas afinal, o que, além da possibilidade de ser preso(a), ingerir bebida alcoólica em público ou de dirigir um carro muda na cabeça de um recém-adulto?
Nada. O que muda não é a cabeça, é a vida. Somos obrigados, do dia para a noite, a arcar com todas as consequências dos nossos atos. Somos matriculados na auto escola mais próxima e decidimos, através de um click num desses sites de faculdades, qual será o nosso futuro profissional pelos próximos 30 anos.
Deveria existir uma classificação menos reducionista. O que percebo, é que a fase compreendida entre os dezoito e vinte e poucos anos não tem nada de adulta. É a fase de adaptação. É o doloroso momento do "cair a ficha". Sim. Precisamos de algum tempo para assimilar essa mudança brusca. Precisamos aprender a administrar a liberdade recém adquirida, compreender que raio de curso é aquele que escolhemos, ajustar nossas condutas. Precisamos re-aprender a ser gente.
Já não temos idade para algumas coisas. Coisas das quais ainda não gostaríamos de ter que abrir mão: os amigos da escola, as noites na pracinha, o enorme tempo livre, as excursões de colégio, os romances inocentes e a presença ainda tímida da cobrança.
Eu mesma, sinto que comecei a ser adolescente justamente quando ela supostamente terminou. O furor da liberdade me consumia e empolgava, e a única coisa na qual pensava era: finalmente vou poder viver algumas das coisas que não me eram permitidas. Foi a fase das festas, namoros loucos, viagens impensadas, aventuras desmedidas. Queria aproveitar a famigerada juventude. Aquela, que os mais velhos lamentavam ter passado.
O caso é que esse é um tempo de muitas quedas. Nos deparamos com a aspereza da vida real. Já não podemos nos queixar ao professor sobre os abusos dos coleguinhas. É quando entendemos, que por mais que tenhamos sido preparados, nenhum preparo é garantia de sucesso na vida adulta. Boas escolas e cursos, amor, carinho e dedicação da família não funcionam de maneira automática como diferenciais. As expectativas (que sempre estiveram lá), parecem dez vezes mais pesadas. Inevitável sentir a cobrança escancarada ou tácita de todos os que investiram e apostaram em nosso grandioso futuro.
A adaptação funciona em tempos diferentes pra cada um. Alguns encarnam a fase adulta antes mesmo dela chegar. Dificuldades econômicas, gravidez na adolescência, desejo de independência: alguns desses fatores tendem a acelerar o tal crescimento. Mas o caso é que desde criança somos cobrados a acompanhar o ritmo da maioria. Pode reparar: crianças e suas evoluções cognitivas e motoras não são avaliadas a partir das circunstâncias e particularidades de cada uma. Há uma escala numérica. Existem padrões em que os meninos e meninas precisam se encaixar para ostentarem o título da normalidade. Idade para engatinhar, para começar a andar, falar, entrar na escola, parar de chupar chupeta, tomar mingau na mamadeira, idade pra aprender a soletrar as primeiras palavras e começar a ler. Se não agimos como a maioria, o diagnóstico é cruelmente claro: existe algum tipo de retardo.
Acho que fui uma dessas pessoas atrasadas. Não virei adulta aos dezoito. Minha ficha foi caindo em câmera lenta, na tentativa de não chocar tanto. Foi o meu jeito de lidar com a existência. Tenho 24 anos e agora posso confessar os 6 anos de atraso e dizer: sou adulta.
Já começo a sentir o baque dos anos. Ruguinhas estreiam em alguns locais da face. Se instalam com calma e exibem seu recado com requintes de crueldade: chegamos pra ficar. São as "marcas de expressão", dizem. O colágeno inicia lentamente o inevitável plano de fuga. A pele já não é amiga. Deixa de encobrir os nossos segredos. O rosto vira um livro em braile escancarado. Alguns sulcos revelam até onde chega o sorriso. As linhas próximas aos olhos, indicam o quão intensa tenho sido com as emoções. As cicatrizes contam sobre as dores. Admito: estou na introdução da velhice e a partir de agora, todos podem ler.
O metabolismo se revolta. Já não perdemos peso com tanta facilidade. Já não temos - a não ser que você seja um daqueles atletas - a mesma disposição física . Os refrigerantes começam a manchar os dentes, a gordura começa a aumentar a taxa do colesterol nos exames, usamos shampoo para cabelos danificados e um belo dia, nos flagramos desatualizados quanto as tecnologias mais recentes. Já reparou como antes dificilmente deixávamos o novo passar batido? Passamos, aos poucos, a usar expressões como "no meu tempo" e a desvalorizar a música atual, privilegiando os antigos sucessos dos nossos anos dourados. Talvez fase adulta seja isso: ver a vida fugir ao controle...ver o passado crescendo enquanto o futuro se revela cada vez mais estreito.
Mas ter um passado considerável é ótimo sinal. Indica avanço na escrita das páginas do tal livro. A biografia que todos escrevemos involuntariamente. Maturidade é isso: viver, aprender com os tombos e registrar as experiências. Maturidade é, sobretudo, aceitar que não podemos viver tudo ao mesmo tempo. É abrir mão do frescor da juventude e passar a degustar a vida adulta, como um bom vinho que teve tempo suficiente para apurar o sabor.
A vida adulta é amarga no início. Mas é por isso: volto a insistir que quando nos chutam do ninho, ainda não estamos tão prontos. O fermento do crescimento emocional precisa de tempo para agir. Vamos, aos poucos, fazendo os ajustes necessários. Adaptamos o paladar, por fim, aos novos sabores: mais densos, encorpados e travosos. A vida deixa de ser um mar de açúcar e tutti frutti ao tempo em que se revela desafiadora e instigante.
Posso não conhecer todas as redes sociais do momento. Confesso que fico atrapalhada quando o assunto é "as bandas juvenis que fizeram sucesso em 2013". Admito não saber de cór o nome dos novos ídolos. Mas compreendo e arrisco suportar, enfim, o peso da responsabilidade. Estou sentada numa lareira imaginária, chacoalhando o meu vinho tinto e iniciando, finalmente, a fase do deguste. Agora sim. Já posso ter dezoito.
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