Fim de tarde. Domingo. O céu era degradê de laranja e azul-marinho. As frágeis pernas vacilavam entre as pedrinhas do calçamento em rítimo acelerado. Não via a hora de chegar. Podia ouvir ao longe o barulho de gritos e risos. A boca enchia d'água: aromas de cachorro-quente, pipoca, batata frita e algodão doce inundavam toda a rua. Enxergava as luzes de todas as cores e brincava de apertar os olhos, para que a imagem se distorcesse fazendo com que cada luzinha emanasse feixes largos de claridade, como em um show dos mais modernos. Colocava as mãos no bolso e conferia mais uma vez o dinheiro. Um frio gostoso percorria o estômago em zig zagues.
A saia, mal firmava-se nos finos quadris. Tinha o cuidado de checar, vez em quando, se estava no devido lugar. Às vezes, quando se dava conta, estava a desfilar com os bolsos de trás voltados para a frente. Enquanto isso, as finas canelas dançavam nas botas de cano alto e o brilho de menta , nos lábios carnudos, recendia, atraíndo os olhares de alguns rapazes. Era ainda uma criança, indo ao parque de diversões. Um projeto de mulher, equilibrando-se em seus saltos.
Tudo o que queria, era dar alguns gritos no trem fantasma ou sentir a adrenalina do movimento pendular que tinha a barca vicking. Nessa época, já estava meio velha pra pula-pula e carrossel - os insistentes pedidos frustrados ao funcionário do parque haviam a convencido disso -, mas ainda arriscava um "minhocão". Adorava ver tudo pequenininho do alto da roda gigante, enquanto fazia com que o algodão doce deretesse na boca. E alí do alto fazia planos. Melhor: sentia-se plenamente capaz de realizá-los. Não existiam medos. só certezas e vontades. A vida era um sim. - É só uma questão de tempo, pensava.
A saia, mal firmava-se nos finos quadris. Tinha o cuidado de checar, vez em quando, se estava no devido lugar. Às vezes, quando se dava conta, estava a desfilar com os bolsos de trás voltados para a frente. Enquanto isso, as finas canelas dançavam nas botas de cano alto e o brilho de menta , nos lábios carnudos, recendia, atraíndo os olhares de alguns rapazes. Era ainda uma criança, indo ao parque de diversões. Um projeto de mulher, equilibrando-se em seus saltos.
Tudo o que queria, era dar alguns gritos no trem fantasma ou sentir a adrenalina do movimento pendular que tinha a barca vicking. Nessa época, já estava meio velha pra pula-pula e carrossel - os insistentes pedidos frustrados ao funcionário do parque haviam a convencido disso -, mas ainda arriscava um "minhocão". Adorava ver tudo pequenininho do alto da roda gigante, enquanto fazia com que o algodão doce deretesse na boca. E alí do alto fazia planos. Melhor: sentia-se plenamente capaz de realizá-los. Não existiam medos. só certezas e vontades. A vida era um sim. - É só uma questão de tempo, pensava.
Anos mais tarde, deixou de ir ao parque. Não acreditava mais em tempo.
"Tudo volta. Procuro retornar a meu último pensamento: tinha relação com a infância e livro, eu sei. E busco. Por entre essa infinidade de formas, de signos desfeitos com que são construídos os pensamentos; por entre esse amontoado de lembranças feitas de imagens incompletas como retratos rasgados; por entre essas idéias a que faltam braços, pernas, cabeças; por entre retalhos dessa caótica colcha que é tecido o cérebro, eu busco. Sem encontrar. A segurança das coisas fáceis e simples desliza entre os dedos recusando fixar-se. Apenas fumaça subindo em lentas espirais, cada vez mais densas, tomando conta de mim, eu sei, deve ser, porque as coisas não sendo o que são, outra vez me jogarão num mundo de procuras e espantos." (Caio Fernando Abreu)
Muito massa... e eu queria escrever que nem você...
ResponderExcluirvolta qd pas bandas do são francisco?
vamos ao parquinho?
ResponderExcluir"Não existiam medos. só certezas e vontades. A vida era um sim. - É só uma questão de tempo, pensava".
ResponderExcluirVc conseguiu traduzir tudo o que senti até o início de minha caótica vida adulta. Sem mais.
O medo rouba sonhos.
Perfeito o texto.