Metade
© Oswaldo Montenegro

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos. Porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo. Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço. E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que eu penso, mas a outra metade é um vulcão. Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita em meu rosto, um doce sorriso, que me lembro ter dado na infância. Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei. Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito. E que o teu silêncio me fale cada vez mais. Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço. Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba. E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer. Porque metade de mim é platéia e a outra metade é canção. E que a minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é amor, e a outra metade... também.


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